Sobre o Santo Terço – Mistérios de Cristo, Mistérios da Mãe

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Para contemplar o rosto de Cristo, devemos escutar, no Espírito, a voz do Pai, pois “ninguém conhece o Filho senão o Pai” (Mt 11, 27). Quando Pedro confessa a identidade de Jesus, Ele destaca que essa revelação vem do Pai: “Não foram a carne nem o sangue quem te revelou, mas o meu Pai que está nos céus” (Mt 16, 17). Essa revelação do alto exige um coração preparado pelo silêncio e pela oração. O Rosário é um caminho tradicional da oração cristã para contemplar o rosto de Cristo. São Paulo VI descreveu o Rosário como uma oração evangélica, centrada na Encarnação redentora, profundamente cristológica. A repetição da Ave Maria se torna um louvor incessante a Cristo, e cada Ave Maria nos lembra de Jesus, o Filho de Deus e da Virgem Maria.

Os mistérios gozosos nos introduzem à alegria da Encarnação. Na Anunciação, o anjo Gabriel saúda Maria com o convite à alegria messiânica: “Alegra-te, Maria” (Lc 1, 26-38). A história da salvação se encaminha para este momento, onde o Pai recapitula todas as coisas em Cristo (Ef 1, 10). No encontro com Isabel, a voz de Maria e a presença de Cristo fazem João Batista saltar de alegria (Lc 1, 39-56). O nascimento de Jesus em Belém é anunciado pelos anjos como “uma grande alegria” (Lc 2, 6-20). A Apresentação no templo, embora marque a alegria da consagração, também antecipa o drama com a profecia de Simeão sobre a espada que trespassará a alma de Maria (Lc 2, 22-39). Jesus, aos doze anos no templo, revela sua sabedoria divina e sua dedicação total às coisas do Pai, antecipando a radicalidade do Evangelho (Lc 2, 41-51). Meditar esses mistérios é entender a alegria cristã e o mistério da Encarnação, vendo em Cristo o centro de nossa fé.

Embora o Rosário contemple apenas alguns mistérios da vida de Cristo, o papa São João Paulo II, muito sabiamente discerniu a importância de reforçar sua cristologia incluindo mistérios da vida pública de Cristo entre o Batismo e a Paixão. Esses mistérios nos mostram Cristo como o revelador definitivo de Deus, anunciando o Reino, realizando obras e proclamando suas exigências. A inclusão dos “mistérios da luminosos” – Batismo, bodas de Caná, anúncio do Reino, Transfiguração e Eucaristia – completa o Rosário como um compêndio do Evangelho, aprofundando nossa meditação na vida de Cristo.

Os mistérios da luminosos revelam aspectos importantes do Reino de Deus durante a vida pública de Jesus. No Batismo no Jordão, Jesus é declarado Filho amado pelo Pai, e o Espírito desce sobre Ele (Mt 3, 11-17). Nas bodas de Caná, Jesus realiza seu primeiro milagre, abrindo o coração dos discípulos à fé (Jo 2, 1-12). O anúncio do Reino convida à conversão e ao perdão dos pecados (Mc 1, 14-15). Na Transfiguração, a glória de Jesus resplandece, preparando os discípulos para a Paixão (Mt 17, 1-8). A instituição da Eucaristia expressa o amor de Jesus, oferecendo-se como alimento para a salvação (Mt 26, 26-29). Esses mistérios nos mostram Cristo como a luz do mundo, revelando o Reino de Deus e chamando-nos à conversão e à comunhão com Ele.

Os mistérios dolorosos nos conduzem pela Paixão de Cristo como o ápice da revelação do amor e fonte de nossa salvação. No Getsêmani, Jesus enfrenta a angústia e se coloca livremente perante a vontade do Pai, como fonte de salvação e de inspiração para nós (Mt 26, 36-46). Na flagelação (Mc 15, 6-15) e coroação de espinhos (Mt 27, 27-31), Ele é desprezado e sofre pela humanidade. Carregando a cruz, Ele mostra o caminho do sacrifício como fonte de salvação para a humanidade que O despreza (Lc 23, 26-32). Na crucificação, seu amor é revelado até o extremo (Lc 23, 33-46). Esses mistérios nos colocam aos pés da cruz, junto de Maria, para penetrar no abismo do amor de Deus e sentir sua força regeneradora.

Os mistérios gloriosos nos revelam que a contemplação do rosto de Cristo não pode parar na cruz; Ele é o Ressuscitado. O Rosário nos leva além das trevas da Paixão, para a glória da Ressurreição onde nosso Senhor nos pede para não termos medo e assim como o anjo a Maria no momento da anunciação, Jesus nos saúda “Alegrai-vos” (Mt 28, 1-10). Em sua ascensão mais um avez somos convidados a alegra-nos no Senhor, assim como o fizeram os discípulos (Lc 24, 46-53). Dessa alegria e entrega a Deus somos convidados a contemplar Pentecoste que revela a Igreja fortalecida pelo Espírito, pronta para a missão evangelizadora e nos assegura que nenhuma realização ou alegria é plena fora da graça do Espírito Santo (At 2, 1-41). A Assunção de Maria e sua coroação como Rainha dos Céus nos mostram o destino reservado a todos os justos, para onde a intercessão da Santíssima Virgem anseia nos levar (Ap 12, 1). Esses mistérios alimentam nossa esperança escatológica e nos impulsionam a testemunhar a alegria da salvação em Cristo.

Assim os ciclos meditativos do Rosário nos introduzem ao conhecimento de Cristo, refletindo o Mistério que supera todo o conhecimento. O Rosário serve ao ideal de conhecer Cristo mais profundamente, oferecendo o “segredo” para esse conhecimento. É o caminho de Maria, mulher de fé, silêncio e escuta. Os mistérios de Cristo são também, de certo modo, os mistérios de Maria. Na Ave Maria, procuramos em Maria, nos seus braços e coração, o “fruto bendito do seu ventre” (Lc 1, 42).

O Rosário marca o ritmo da vida humana, harmonizando-a com a vida divina. Quem contempla a Cristo aprende a verdade sobre o homem. O mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo encarnado. O Rosário ajuda a abrir-se a essa luz, mostrando o caminho de Cristo e a nova existência em Cristo. Cada mistério do Rosário ilumina o mistério do homem, levando nossos cuidados ao coração misericordioso de Cristo e de sua Mãe. O Rosário marca o ritmo da vida humana, unindo-nos à comunhão da Santíssima Trindade, destino da nossa existência.

O Rosário, como uma oração contemplativa, é um compêndio do Evangelho que nos conduz ao profundo conhecimento de Cristo. Ao meditarmos os mistérios da alegria, da luz, da dor e da glória, somos transformados e configurados à imagem de Cristo. A Santíssima Virgem Maria, nosso modelo de contemplação, nos guia nesse caminho, ajudando-nos a guardar e refletir sobre os mistérios de Cristo em nossos corações. O Rosário não é apenas uma repetição de palavras, mas uma imersão na vida de Jesus, onde encontramos a verdadeira alegria, luz, dor redentora e glória eterna. Que, ao rezar o Rosário, possamos ser moldados por esses mistérios e viver cada dia mais unidos a Cristo, irradiando sua luz e amor ao mundo.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

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Santa Sé. Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae do Sumo Pontífice João Paulo II ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis sobre o Rosário. Dicastero per la Comunicazione – Libreria Editrice Vaticana, 2002. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/2002/documents/hf_jp-ii_apl_20021016_rosarium-virginis-mariae.html