Sobre o Santo Terço – Para Mim, o Viver é Cristo

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Meditar os mistérios de Cristo no Rosário envolve um método característico que favorece a assimilação desses mistérios, a repetição. A Ave Maria, repetida dez vezes em cada mistério, pode parecer uma prática monótona, mas, na verdade, é uma expressão de amor que nunca se cansa de voltar à pessoa amada. Em Cristo, Deus assumiu um “coração de carne”, cheio de misericórdia e afeição. No diálogo entre Jesus e Pedro, vemos essa repetição: “Simão, filho de João, tu me amas?” por três vezes, recebendo a resposta: “Senhor, Tu sabes que Te amo” (Jo 21, 15-17). Isso mostra a dinâmica do amor, e a repetição da Ave Maria reflete esse amor profundo e contínuo a Jesus, através de Maria. São Paulo descreveu esse ideal cristão: “Para mim, o viver é Cristo” (Fl 1, 21).

A relação com Cristo pode, sim, utilizar um método. Deus se comunica respeitando nossa natureza e ritmos vitais. A espiritualidade cristã, mesmo nas formas mais sublimes de silêncio místico, envolve a totalidade da pessoa, em sua complexidade psicofísica e relacional. Isso é evidente na Liturgia, onde os sacramentos e sacramentais envolvem vários ritos. 

Enunciar o mistério é como abrir um cenário onde se concentra a atenção. As palavras orientam a imaginação e o espírito para o episódio da vida de Cristo. Métodos como a veneração de ícones e a Compositio Loci dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola utilizam elementos visuais para facilitar a concentração no mistério. A enunciação dos mistérios no Rosário ajuda a concretizar a meditação, mas não substitui o Evangelho; pelo contrário, promove a Lectio Divina, aprofundando a meditação bíblica.

Para fundamentar a meditação, é útil que a enunciação do mistério seja acompanhada pela proclamação de uma passagem bíblica alusiva e em ocasiões comunitárias, a Palavra pode ser ilustrada com um breve comentário. A Palavra de Deus deve ser escutada com a certeza de que é pronunciada para hoje e “para mim”. Isso insere a repetição do Rosário na escuta divina, sem provocar enfado, mas permitindo que Deus fale.

A escuta e a meditação se alimentam do silêncio, por isso após a enunciação do mistério e a proclamação da Palavra, é conveniente fazer uma pausa para fixar o olhar no mistério antes de começar a oração vocal. A redescoberta do valor do silêncio é essencial para a prática da contemplação e meditação, sendo recomendado também na recitação do Rosário. Após a escuta da Palavra e a concentração no mistério, o espírito se eleva ao Pai, porque o Filho Eterno, Jesus, nos conduz sempre ao Pai, introduzindo-nos na intimidade divina. O “Pai Nosso” é o alicerce da meditação cristológico-mariana, tornando a meditação do mistério uma experiência eclesial.

A repetição da Ave Maria, com a invocação a Maria e a menção do nome de Jesus, é uma meditação cristológica profunda. Esse costume sublinha a fé cristológica aplicada aos diversos momentos da vida do nosso Senhor e Salvador. A repetição da Ave Maria nos sintoniza com o encanto de Deus, expressando admiração pelo milagre da Encarnação do Filho de Deus no ventre da Virgem Maria.

A doxologia trinitária é a meta da contemplação cristã, a final Cristo é o caminho que nos conduz ao Pai no Espírito. O “Glória”, apogeu da contemplação, deve ser destacado no Rosário, pois ao ser recitado com devoção, eleva o espírito ao Paraíso, antecipando a contemplação futura. Após o “Glória”, a jaculatória final varia segundo os costumes, podendo expressar os frutos específicos da meditação do mistério. Isso torna o Rosário mais ligado à vida cristã, com orações que refletem as tradições espirituais e comunidades cristãs.

O terço, tradicional instrumento na recitação do Rosário, simboliza a caminhada incessante da contemplação cristã. Convergindo para o Crucificado, ele evoca a relação filial com Deus e a comunhão entre os fiéis em Cristo. O Rosário pode começar de diversas formas, como a invocação do Salmo 69/70 ou a recitação do Creio em Deus Pai. A recitação termina com a oração pelas intenções do Papa, estendendo o olhar às necessidades eclesiais. Assim o Rosário se configura num caminho espiritual onde Maria nos guia com sua intercessão, concluindo com louvores à Virgem Santa, como a Salve Rainha ou a Ladainha Lauretana.

No nosso dia a dia o Rosário pode ser recitado integralmente ou dividido ao longo da semana, onde a Santa Mãe Igreja nos propõe a seguinte distribuição: segunda e sábado para os mistérios gozosos, terça e sexta para os mistérios dolorosos, quarta e domingo para os mistérios gloriosos, e quinta-feira para os mistérios da luminosos. Essa prática ajuda a viver o Rosário como um itinerário contemplativo, integrando a semana do cristão aos mistérios da vida de Cristo, fortalecendo a fé e a comunhão com Deus.

A repetição no Rosário, especialmente das Ave Marias, é um método que pode parecer monótono, mas é uma prática profundamente enraizada na dinâmica do amor e da meditação. A repetição das palavras dirige nossos pensamentos continuamente para o mistério que estamos contemplando, ajudando-nos a interiorizar os eventos da vida de Cristo. É semelhante à repetição de palavras de amor, que nunca perdem seu valor para quem as diz e para quem as ouve, porque cada repetição renova e aprofunda o sentimento. Assim, no Rosário, cada Ave Maria dita com devoção se torna um novo ato de amor a Cristo através de Maria.

A dinâmica do Rosário, com sua repetição e meditação, nos ajuda a crescer na imitação de Cristo. São Paulo expressou o desejo de se conformar a Cristo dizendo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20). O Rosário é uma ferramenta poderosa para alcançar essa conformidade. Ao meditar nos mistérios da vida de Jesus, nos unimos a Ele e permitimos que Ele molde nossas vidas. A repetição das orações nos mantém focados em Cristo, e a intercessão de Maria nos ajuda a receber as graças necessárias para nos transformarmos à imagem de seu Filho.

Por esse motivo é que Maria tem um papel central no Rosário, não apenas como destinatária das nossas Ave Marias, mas como guia e intercessora que nos leva a Cristo. A repetição das Ave Marias é uma forma de nos unirmos a Maria na meditação sobre os mistérios da vida de Jesus. Ela, que guardou todas essas coisas em seu coração, nos ajuda a compreender e a viver esses mistérios de maneira mais profunda. Maria nos ensina a contemplar Cristo com um amor que é renovado a cada repetição da oração, ajudando-nos a entrar mais profundamente na vida de Jesus e a nos conformar a Ele.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

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Santa Sé. Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae do Sumo Pontífice João Paulo II ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis sobre o Rosário. Dicastero per la Comunicazione – Libreria Editrice Vaticana, 2002. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/2002/documents/hf_jp-ii_apl_20021016_rosarium-virginis-mariae.html