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No domingo, vai e faze tu a mesma coisa

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“Vai e faze tu a mesma coisa” (Lc 10,37).

A pergunta que inicia o Evangelho parece honesta: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10,25b). Mas o evangelista nos mostra que o doutor da Lei quis pôr Jesus à prova. E como sempre, Jesus não responde com um sermão, mas com uma devolução, “O que está escrito na Lei? Como lês?” (Lc 10,26). O homem responde bem, amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a si mesmo. Mas, em vez de acolher a verdade, ele tenta justificá-la e a si mesmo com outra pergunta, “e quem é o meu próximo?” (Lc 10,28b).

Essa pergunta, que parece prática, revela algo mais profundo, a tentativa de reduzir o amor a um cálculo. O homem quer saber quem ele é obrigado a amar, para então limitar o alcance dos atos de misericórdia. Mas Jesus, conhecendo o coração humano, responde com uma história que desconstrói as fronteiras entre os que devem e os que merecem ser amados.

A parábola do Bom Samaritano não é apenas uma exortação à generosidade. É uma revelação do próprio Cristo, como interpretaram os Santos Padres da Igreja. Santo Agostinho via, na figura do homem caído, a humanidade ferida pelo pecado, deixada à beira da estrada por ladrões espirituais, o diabo, o mundo e a carne. O sacerdote e o levita, representantes da Antiga Aliança, passando ao lado sem parar, não por crueldade, mas porque a Lei, por si só, não tem poder de curar. Só o amor encarnado pode fazê-lo.

É o samaritano, estrangeiro e desprezado, quem se compadece. Ele se aproxima, trata das feridas, derrama azeite e vinho que são símbolos da unção e da Eucaristia, coloca o homem sobre o próprio animal, o leva à hospedaria e paga por sua recuperação. Aqui, os Santos Padres enxergaram o Cristo, o único que, embora desprezado pelo mundo, desceu até nós para cuidar das nossas feridas.

Orígenes, com grande beleza espiritual, afirma que a hospedaria representa a Santa Mãe Igreja, lugar onde somos acolhidos, nutridos e curados pela graça. O samaritano promete voltar, assim como Cristo nos deixou com os sacramentos e a promessa de Sua segunda vinda. O que parecia apenas uma narrativa de misericórdia torna-se uma chave de leitura para a economia da salvação, o ferido é todo homem, o curador é Cristo, a hospedaria é a Igreja e a moeda é a cruz.

Santo Tomás de Aquino, ao refletir sobre a caridade, ensina que amar é querer o bem do outro como fim em si mesmo, e não como meio para o nosso conforto moral. E o Papa Bento XVI, na encíclica Deus Caritas Est, recorda que a parábola do Bom Samaritano continua sendo o modelo perene de amor ao próximo. Ela ultrapassa toda barreira de raça, religião ou condição social, e nos mostra que o verdadeiro próximo é aquele que se faz próximo.

Jesus termina com uma ordem direta, “vai e faze tu a mesma coisa” (Lc 10,37b). É um chamado exigente, porque não basta evitar o mal, não basta seguir regras. O amor cristão não é sentimentalismo, mas decisão e ação. É ver, aproximar-se, tocar, cuidar, sustentar, pagar o preço. E tudo isso por quem, talvez, nunca possa retribuir.

Em tempos em que muitos buscam sentir-se vítimas para justificar suas próprias faltas e poucos estendem a mão para amar aqueles que verdadeiramente sofrem, a parábola do Bom Samaritano continua viva e atual, nela as palavras de Cristo nos confronta com a escolha de ser próximo ou ser omisso. Podemos continuar discutindo quem é o próximo ou nos tornar o próximo de quem caiu. Podemos elaborar teorias sobre justiça ou derramar vinho e azeite sobre as feridas do mundo.

No fim, não seremos julgados pela quantidade de leis que conhecemos, mas pelo amor com que respondemos ao grito do caído. E se hoje alguém perguntar, onde está Deus diante de tanta dor? A resposta, talvez, esteja nos gestos silenciosos de quem ainda sabe se ajoelhar diante do ferido e vê ali o próprio Cristo.

Hoje, a pergunta de Jesus não é sobre o próximo, é sobre nós, “na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36), se sabes a respostas para essa pergunta, sabe também que Ele não espera de você palavras como resposta, espera ação, “Vai e faze tu a mesma coisa” (Lc 10,37b).

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.