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No domingo, ore: Abbá, Pai!

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“Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1).

O pedido feito por um dos discípulos é, na verdade, o pedido de todos nós. Ensina-nos, Senhor, a orar. Porque não é natural saber rezar, e não é automático permanecer na oração. Podemos conhecer as fórmulas, repetir palavras, participar de liturgias, mas nem sempre sabemos de fato nos colocar na presença de Deus como filhos que confiam no Pai.

Jesus não ensina uma sequência mágica, um simples texto a ser repetido, mas um caminho de relacionamento. “Quando rezardes, dizei: Pai” (Lc 11,2). É o começo de tudo e é também o centro de tudo, porque Ele é o tudo. Com essa palavra, Ele inaugura uma nova forma de rezar, diferente da tradição rabínica, marcada por reverência, mas também por certa distância entre Criador e criatura. Ao chamar Deus de Pai, Jesus revela que a oração cristã não nasce do temor servil, mas da intimidade filial.

Santo Cipriano de Cartago, no tratado Sobre a Oração do Senhor, ensina que Jesus não diz ‘Meu Pai’, mas ‘Pai Nosso’, porque desde o início quer nos lembrar que somos membros de uma única família, irmãos entre nós e filhos de um mesmo Pai. Essa paternidade não é teórica, é real, recebida no Batismo, onde fomos feitos filhos no Filho. Por isso, como diz São João, “Vede que grande amor o Pai nos tem concedido: sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos” (I Jo 3,1).

Santo Atanásio, defensor ardente da divindade de Cristo, afirmava que só podemos chamar Deus de Pai porque recebemos o Espírito do Filho, que clama em nós, “Abbá, Pai!” (cf. Gl 4,6). É por obra do Espírito que nossa oração se torna verdadeira, porque ninguém pode se colocar diante de Deus como filho se não for movido pela graça.

São João Paulo II, em sua catequese sobre a oração do Pai-Nosso, explicou que chamar Deus de Pai é fazer um ato de confiança absoluta, e ao mesmo tempo um compromisso de viver como filho. Um filho que escuta, que obedece, que ama, um filho que sabe que será corrigido, mas jamais rejeitado. A palavra “Pai” nos coloca diante de um Deus que nos conhece pelo nome, que nos vê no escondido, que sabe do que precisamos antes mesmo de pedirmos (cf. Mt 6,6-8).

Santa Teresa de Ávila, grande mestra da oração interior, dizia que muitas vezes passava a oração inteira apenas repetindo com devoção a palavra “Pai”, e isso lhe bastava. Porque sabia que, nesse nome, já estava contido todo o amor, toda a misericórdia, toda a segurança. Como nos ensina a doutora em oração “não é pouco favor entender com quem falamos ao orar. Porque saber que falamos com o Pai do céu é o começo de toda humildade verdadeira” (Santa Teresa de Ávila).

São Tomás de Aquino, o doutor angélico, explica que a oração do Pai-Nosso é a mais perfeita de todas, porque nela aprendemos não apenas o que pedir, mas como nos dirigir a Deus. O nome “Pai” manifesta o fundamento da nossa esperança, pois ninguém que sabe que Deus é seu Pai pode desesperar. Além disso, chamar Deus de Pai nos iguala diante d’Ele, elimina os títulos humanos, desarma a arrogância e ensina que, em Sua presença, somos todos filhos necessitados.

Chamar Deus de Pai, portanto, não é apenas um título carinhoso, mas uma declaração de identidade e fé. Somos filhos diante de um Pai que ama. Não estamos diante de um patrão que exige metas, nem de um tirano que pune falhas. Estamos diante da fonte da vida, do amor que gera, do coração que acolhe. Esse é o centro da oração cristã, saber a quem nos dirigimos e saber quem somos nós diante d’Ele.

É por isso que Santo Agostinho dizia que antes de pedir qualquer coisa, Jesus nos ensina a mudar de postura diante de Deus. A oração cristã não começa com súplicas, mas com filiação. Orar é lembrar quem somos filhos que confiam, filhos que esperam, filhos que buscam.

O Pai-Nosso não é só uma oração a ser recitada, mas um programa de vida. Pedimos que Seu nome seja santificado e isso só acontece se nós O glorificarmos com nossas escolhas. Desejamos que venha o Reino e isso exige que renunciemos ao nosso pequeno império pessoal. Pedimos o pão de cada dia e aprendemos a viver com gratidão e simplicidade. Suplicamos o perdão e somos desafiados a perdoar. Rogamos por livramento e precisamos aprender a vigiar.

Orígenes, um dos primeiros mestres da oração cristã, ensinava que quem reza o Pai-Nosso com sinceridade, precisa estar disposto a se converter com cada pedido. Porque não é possível pedir o Reino sem desejar obedecer. Não é possível pedir perdão sem estar disposto a perdoar. Não é possível pedir o pão sem agradecer por ele.

Embora o Pai Nosso já seja um presente único de intimidade com Pai que Jesus nos dá, Ele não para, continua contanto em a parábola do amigo insistente e nela revela que a oração precisa ser perseverante. Bater à porta, mesmo quando parece que ninguém atende, continuar pedindo, mesmo quando tudo diz para desistir. Porque, como explica São João Crisóstomo, Deus não se irrita com a insistência, Ele a deseja. A demora não é castigo, mas treinamento da esperança. O Pai escuta. O Pai responde. Mas no tempo certo.

Jesus conclui dizendo, “Ora, se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13). Aqui está o segredo, a melhor resposta de Deus à nossa oração não é o que pedimos, mas o próprio Espírito Santo. Porque o Espírito nos dá força quando falta o pão, nos dá paz quando não vêm as respostas, nos dá luz quando tudo parece escuro.

Santo Tomás de Aquino ensina que a oração não muda Deus, mas muda a nós, e muda na medida em que se torna diálogo sincero, abandono confiante, escuta obediente. Santa Teresa de Lisieux, que viveu a oração como respiração da alma, dizia que rezar é lançar um olhar para o céu, é um grito de reconhecimento e amor, no meio da prova e da alegria.E é assim que devemos rezar, como quem ama, como quem confia, como quem espera.

Hoje, talvez você se sinta como o discípulo diante de Jesus, querendo aprender a orar, querendo encontrar sentido nas palavras que tantas vezes repetimos. Talvez o Senhor esteja apenas esperando que você volte ao essencial, não ore para convencer Deus, ore para confiar n’Ele.

Reze o Pai-Nosso, mas reze com o coração, reze como filho. E quando sentir que não tem palavras, lembre-se que “o Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26), porque O Pai escuta, O Filho nos ensina e O Espírito Santo nos sustenta.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.