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Ideias equivocadas sobre os fiéis defuntos

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Ideias equivocadas sobre os fiéis defuntos

Misconceptions about the faithful departed

Sem Nome Responde

Esta edição do sem nome responde, reúne pequenas questões sobre os fiéis defuntos, questões providencialmente respondidas em conjunto porque vivemos tempos em que a dor da perda, o luto mal elaborado e a falta de formação doutrinal têm dado origem a uma infinidade de equívocos sobre a morte, a eternidade e, especialmente, sobre os nossos fiéis defuntos. E o que deveria ser ocasião para oração e caridade, tem se tornado cada vez mais cenário de sentimentalismo estéril, falsas consolações e práticas contrárias à fé católica.

Frases como “ele virou um anjo”“está em paz porque era uma boa pessoa”“agora ele nos protege lá de cima”, ou mesmo rituais de invocação da alma do falecido como se ainda estivesse vagando por aqui, infelizmente, se multiplicam em velórios, redes sociais, tatuagens e canções.

Mas permita-me ser direto e pastoral, muitos desses pensamentos, embora bem-intencionados, não são católicos, mais do que isso, ofuscam a verdadeira esperança cristã. Por isso, é urgente, por amor aos que partiram e aos que ficaram, que falemos com clareza sobre o que a Santa Mãe Igreja ensina, e sobre o que ela nunca ensinou.

Quando morremos, viramos anjos?

Não. Anjos são criaturas espirituais puras, criadas por Deus desde o princípio (cf. CIC 328-330). Eles não são humanos glorificados, nem humanos falecidos. Nós somos corpo e alma, e mesmo após a morte, aguardamos a ressurreição da carne no fim dos tempos. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica,

“Crer na ressurreição dos mortos foi, desde o princípio, um elemento essencial da fé cristã” (CIC, 991).

A alma não deixa de ser humana após a morte, e não se transforma em outra criatura. Nosso destino é maior, participar da glória de Deus como filhos no Filho, não como anjos substitutos.

Todos os que morrem vão direto para o céu?

Essa ideia, infelizmente, está tão espalhada que parece quase heresia falar o contrário. Mas a verdade revelada por Cristo e ensinada pela Santa Mãe Igreja é clara, a salvação é dom gratuito de Deus, mas requer nossa cooperação. A morte nos leva ao juízo particular, como ensina a Carta aos Hebreus,

“Está determinado que os homens morram uma só vez, e em seguida vem o julgamento” (Hb 9,27).

Neste juízo, a alma é conduzida ao céu, ao purgatório ou ao inferno. Portanto, não devemos canonizar informalmente os falecidos. Antes, devemos rezar por eles, oferecer Missas, indulgências, sacrifícios e obras de misericórdia, pois pode ser que estejam no purgatório aguardando purificação.

Como ensina o Catecismo Igreja Católica,

“A Igreja peregrina, desde os primeiros tempos, honrou com grande piedade a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios por eles” (CIC, 1032).

Os mortos nos protegem ou ficam por aqui?

Os nossos entes falecidos não se tornam nossos protetores automáticos, nem permanecem vagando entre nós. Se estão no céu, certamente intercedem diante de Deus, como os santos o fazem. Mas não voltam para assombrar, enviar sinais, mover objetos ou sussurrar mensagens. A fé católica rejeita qualquer prática de invocação direta às almas dos mortos, pois isso flerta com o espiritismo, prática condenada com clareza pelo Magistério da Santa Mãe Igreja,

“Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente ‘desvendar’ o futuro” (CIC, 2116).

É caridade recordar isso com firmeza, mesmo que doa aos afetos. Melhor é amar de forma santa, que ofender a verdade por causa da saudade.

Basta lembrar com carinho, não é necessário rezar?

O amor pelos falecidos não se mede apenas pela lembrança afetiva ou por homenagens. O maior ato de amor por um fiel defunto é a oração, especialmente a Santa Missa. Nenhum buquê de flores se compara a uma Ave-Maria rezada com fervor. Nenhuma postagem substitui a comunhão oferecida por sua alma. O Papa Francisco recorda,

“É importante rezar pelos defuntos porque mesmo que eles estejam no céu, nossas orações sempre os acompanham como expressão do amor que não morre” (Audiência Geral, 30/10/2013).

O que devemos fazer pelos fiéis defuntos?

A caridade não termina com a morte. Pelo contrário, encontra na oração pelos falecidos uma de suas expressões mais sublimes. Como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica,

“Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou com grande piedade a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios por eles, sobretudo o sacrifício eucarístico, para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus” (CIC, §1032).

Com isso em mente, vejamos com mais profundidade como viver essa caridade para com os fiéis defuntos.

É lícito oferecer missas em sufrágio por suas almas?

A Santa Missa é o sacrifício do próprio Cristo. Nada na terra se compara ao seu valor redentor. Oferecer uma Missa por uma alma do purgatório é oferecer o próprio Cristo ao Pai por ela.

O Concílio de Trento definiu infalivelmente que, “O sacrifício da Missa é verdadeiramente propiciatório e, se for oferecido por fiéis defuntos, será eficaz por eles” (Denzinger-Hünermann 1743).

O Papa Bento XVI, na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, recorda, “A Eucaristia é uma antecipação da ressurreição final e da comunhão plena com Deus, por isso, oferecê-la pelos defuntos é expressão do vínculo que transcende a morte” (n. 32).

Por isso, solicitar Missas por um ente querido não é um gesto simbólico, mas um ato de misericórdia que repercute na eternidade.

É valido rezar diariamente por eles? Sim, especialmente com o Terço e o Ofício dos Defuntos.

A oração pessoal pelos falecidos, especialmente através do Santo Terço e do Ofício dos Defuntos, é uma forma simples e poderosa de intercessão. A oração do Terço, sendo contemplação dos mistérios da salvação, possui força de consolo e purificação.

O Ofício dos Defuntos, que integra a Liturgia das Horas, expressa de modo profundo a esperança na ressurreição e o apelo pela misericórdia de Deus.

Como nos recorda São João Damasceno, “Aqueles que partiram têm necessidade das nossas orações, mais do que das nossas lágrimas”.

E como diz o salmista, “Do fundo do abismo clamo a Vós, Senhor” (Sl 130[129],1), um grito que pode ser nosso por eles.

Como oferecer indulgências plenárias?

A Santa Igreja concede indulgências em favor dos fiéis defuntos, especialmente no início de novembro. De 1º a 8 de novembro, quem visitar um cemitério e rezar pelos mortos pode lucrar indulgência plenária (uma por dia), aplicável somente às almas do purgatório.

As condições essenciais para lucrar uma indulgência plenária são a confissão sacramental, comunhão eucarística, oração nas intenções do papa, desapego total de qualquer pecado, mesmo venial.

O Catecismo da Igreja Católica ensina que, “Os fiéis podem obter indulgências para si mesmos ou aplicá-las aos defuntos” (CIC, §1479).

É o amor que ultrapassa a morte e coopera com a justiça e misericórdia de Deus.

Viver em estado de graça, pois a nossa santidade coopera com a purificação dos outros

A nossa santidade tem um valor eclesial. Quando vivemos em estado de graça, unidos a Cristo, nossas obras, orações e sofrimentos têm valor redentor, pois participam dos méritos de Jesus.

São Paulo nos ensina, “Agora me alegro nos sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).

O Papa Pio XII, na Encíclica Mystici Corporis Christi, ensina que a comunhão dos santos é verdadeira cooperação mútua entre os membros vivos e os que partiram. Por isso, a busca pela santidade não é apenas um caminho pessoal de salvação, mas um meio de auxílio às almas do purgatório. É ato de caridade e comunhão eclesial.

Evitar práticas supersticiosas, sincretismos e invocações

Na dor da perda, é fácil ceder à tentação de buscar consolo em práticas contrárias à fé, velas “místicas”, conversas com “espíritos”, cartas, invocações ou sincretismos com crenças populares.

O Catecismo da Igreja Católica é claro, “Todas as práticas de evocação dos mortos devem ser rejeitadas” (CIC, §2116).

Mesmo a linguagem de certos velórios ou redes sociais, como “ele está por aqui”, “ele manda sinais”, “converso com ele toda noite”, devem ser vistas com prudência, pois podem abrir espaço para a confusão espiritual ou até para práticas condenadas.

O verdadeiro amor aos mortos se manifesta na oração e na fé, não em tentativas de manter laços temporais com quem já entrou na eternidade.

Como ensinou São Bernardo de Claraval, “Não choremos como os que não têm esperança; choremos com fé, rezemos com caridade e esperemos com confiança”.

Por que isso tudo é importante para a nossa salvação?

Porque rezar pelos mortos nos lembra que também morreremos. E que devemos nos preparar para o nosso próprio juízo com humildade, vigilância e caridade. Porque reconhecemos que o purgatório existe, e que as almas ali precisam de nossa ajuda. E porque compreender bem a verdade sobre os fiéis defuntos é parte do que nos faz católicos, membros vivos de uma Igreja que é una, santa, católica e apostólica, em comunhão com os vivos e os mortos, os santos e os penitentes, os que lutam e os que já esperam.

Concluímos com as palavras da Liturgia dos Fiéis Defuntos, que tão belamente expressam a esperança cristã, “Para os que creem em Vós, Senhor, a vida não é tirada, mas transformada”.

E a melhor maneira de transformar nossa vida é viver desde já na Graça, e amar os nossos mortos não apenas com flores e fotos, mas com aquilo que, diante de Deus, é mais eficaz, a oração e o sacrifício.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

Sem Nome Responde é uma sessão onde buscamos responder perguntas que são enviadas a nossa redação, nos envie suas perguntas ou contribuições para as respostas por nossos canais de comunicação, ficaremos muito felizes em nos conectar com vocês. 

Não temos aqui a intenção de dar respostas definitivas para nenhuma pergunta, apenas buscamos a luz da sabedoria da Santa Mãe Igreja dar um passo na direção da verdade. Correções nas respostas podem ser realizadas a qualquer tempo, sempre que a luz dos ensinamentos da Santa Mãe Igreja nos permitir.