,

No domingo cante o Magnificat

Written by

·

“A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,39-56).

Na Solenidade da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, a Igreja contempla a vitória da graça em sua criatura mais perfeita. O evangelista São Lucas (1,39-56) nos apresenta Maria em sua visita a Isabel, momento no qual, cheia do Espírito Santo, ela proclama o cântico do Magnificat. Este cântico não é apenas expressão pessoal de sua alma, mas o eco de toda a história da salvação, o Deus fiel, que cumpre Suas promessas, exalta a humildade e confunde a soberba, realiza em Maria o início de uma nova humanidade transfigurada. É por isso que sua Assunção não é privilégio isolado, mas antecipação da glória que a Igreja inteira espera.

Os Padres da Igreja viram nesse mistério a confirmação da dignidade de Maria como Theotokos, a Mãe de Deus. Santo Germano de Constantinopla afirmava que “a Assunção de Maria confirma a realidade da Encarnação, pois Aquele que assumiu a carne não permitiria que a carne de sua Mãe visse a corrupção”. São João Damasceno, com sua clareza teológica, sustentava que era inconcebível que o corpo que gerou a Vida fosse entregue à morte, “Era necessário que aquela que gerou o Autor da vida fosse conduzida à vida eterna”. Essa visão patrística não é apenas devocional, mas profundamente cristológica, na Assunção, é a vitória de Cristo que se manifesta de modo privilegiado em sua Mãe.

Santo Tomás de Aquino, oferece-nos uma chave de leitura para esse mistério. Para o Doutor Angélico, a ordem da graça é superior à ordem da natureza, e os dons concedidos por Deus são proporcionais à missão recebida. Ora, se Maria foi escolhida para ser a Mãe de Deus, convinha que fosse cumulada de todos os privilégios, inclusive a glorificação antecipada. Sua Assunção, portanto, não é um favor arbitrário, mas consequência lógica de sua união singular com Cristo. Como lembra São Boaventura, nela “vemos realizada a perfeita conformidade entre a criatura e o Criador, entre a Mãe e o Filho”.

Muitos Papas também iluminaram este mistério, como o Papa Pio XII, em Munificentissimus Deus, declarou solenemente que Maria, ao término de sua vida terrena, foi elevada em corpo e alma à glória celeste, e sublinhou que tal verdade sempre esteve presente na fé do povo de Deus. O Papa Bento XVI explicava que o Magnificat da Virgem Maria é a chave de leitura da história, porque nele ressoa o critério de Deus, os humildes são exaltados, e os soberbos, dispersos. O Papa Francisco, por sua vez, insiste que a Assunção abre para nós uma “porta de esperança”, pois onde está Maria, ali também estamos chamados a estar.

Mas a Assunção não é apenas um dogma para ser contemplado; é uma promessa viva que interpela a nossa vida. São Bernardo de Claraval dizia que a Virgem Maria é a “estrela do mar” que guia os navegantes rumo ao porto da salvação. Contemplar Maria elevada ao céu é recordar que nossa morada não é definitiva aqui, mas na eternidade. São Luís Maria Grignion de Montfort ensina que a verdadeira devoção a Maria é caminho certo para Cristo; e em sua Assunção vemos o selo dessa certeza, quem se une a Maria, não se perde. São Maximiliano Kolbe, mártir do século XX e apóstolo da Imaculada, afirmava que a glória de Maria é anúncio da vitória do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte, da obediência sobre a rebelião.

Maria elevada aos céus é, portanto, sinal de esperança escatológica. Nela já se cumpre a promessa feita a todos os batizados, “Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos dará vida também aos vossos corpos mortais” (Rm 8,11). Por isso a Santa Mãe Igreja vê na Assunção não apenas um dogma mariano, mas uma verdade eclesial, aquilo que se realizou em Maria se realizará também em nós, se permanecermos unidos a Cristo. Como lembrava São João Paulo II, “Maria é imagem escatológica da Igreja, que caminha entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, mas que um dia será glorificada junto ao seu Senhor”.

Celebrar a Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria não é apenas contemplar uma verdade de fé distante, mas é deixar-se tocar por uma esperança que se torna caminho de vida. Maria, elevada em corpo e alma ao céu, nos recorda que nossa existência não termina no túmulo, mas se abre para a eternidade. Como ensina Santo Agostinho, “nossa vida aqui é como o tempo da gravidez; o nascimento verdadeiro acontece na eternidade”. Se a Virgem Maria já participa plenamente dessa glória, então podemos enfrentar a morte não como fim trágico, mas como passagem para a vida em Deus. A Assunção nos ajuda a rezar pelos nossos entes queridos falecidos com confiança, certos de que Deus é fiel e nos conduzirá à mesma herança de glória.

Ao mesmo tempo, a Assunção nos ensina a humildade. Maria foi exaltada porque se fez pequena, porque reconheceu que tudo era graça, “O Senhor fez em mim maravilhas”. Não há lugar para orgulho ou autossuficiência em quem deseja seguir o caminho de Maria. Na vida cotidiana, isso significa viver cada gesto com simplicidade, fazer do serviço aos irmãos um modo de glorificar a Deus, e reconhecer que toda vitória, toda conquista, toda bênção é fruto da misericórdia divina. Como dizia São João Paulo II, “Maria é grande porque não quis ser nada para si, mas tudo para Deus”.

Assim na Solenidade da Assunção, a Santa Mãe Igreja nos convida a confiar nas provações. Quantas vezes experimentamos o peso das dificuldades, das doenças, das crises familiares, das incertezas do futuro! Diante disso, Maria aponta para o céu e nos recorda que vale a pena confiar, porque a promessa permanece. O mesmo Deus que cuidou dela cuidará também de nós. São Bernardo exorta, “Se os ventos das tentações se levantarem, olha para a Estrela, invoca Maria”. Assim, cada sofrimento pode ser vivido como oportunidade de unir-nos mais profundamente a Cristo, certos de que nossa cruz não é a última palavra, mas a ressurreição.

Celebrar a Assunção é, portanto, deixar-se conduzir pelo cântico do Magnificat, aprender a ver a história não pela ótica do poder humano, mas pela fidelidade divina. É aprender a transformar cada momento da vida em louvor, cada prova em confiança, cada dor em esperança. É olhar para a Virgem Maria e reconhecer que, se Deus fez nela maravilhas, também em nós quer realizar obras de graça.

Assim, ao elevar os olhos ao céu e contemplar a Virgem Maria, renovamos nossa fé na ressurreição final. Onde está a Mãe, ali também chegarão os filhos. Sigamos, pois, o caminho da humildade, da confiança e da obediência da fé, para que, unidos a ela, possamos cantar eternamente, “Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo(Lc 1,49).

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.