“Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16,10).

O evangelista São Lucas (Lc 16,1-13), nos apresenta uma das parábolas mais intrigantes que Jesus contou aos seus discípulos, a parábola do administrador infiel. Em uma leitura rápida, esse texto pode causar certo desconforto, pois parece que o Senhor está elogiando a desonestidade daquele administrador. Mas ao meditarmos com mais calma, percebemos que não se trata de uma exaltação da fraude, mas de um convite profundo à reflexão sobre como utilizamos os bens deste mundo e sobre a fidelidade que devemos a Deus em todas as coisas.
A parábola começa com um homem rico que descobre que o seu administrador estava dissipando os seus bens. Chamado a prestar contas, ele percebe que será demitido e, diante da iminência da perda do cargo, age com astúcia, renegocia as dívidas dos devedores do seu senhor para garantir que, no futuro, tenha amigos que o recebam em suas casas. E o texto conclui com a célebre afirmação de Jesus, “Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lc 16,8b).
Aqui já temos o primeiro ponto de meditação. Jesus não está incentivando a desonestidade, mas apontando para a esperteza do administrador. Se os homens deste mundo sabem agir com astúcia para garantir seus interesses materiais e passageiros, quanto mais nós, discípulos de Cristo, deveríamos agir com inteligência espiritual para conquistar os bens eternos.
O Papa Bento XVI, em uma de suas homilias sobre esta parábola, destacou que a Igreja não pode ser ingênua diante dos desafios do mundo, mas deve aprender a usar os bens materiais como instrumentos para a construção do Reino de Deus. Segundo ele, a astúcia do administrador não está na fraude em si, mas na capacidade de perceber a urgência da situação e agir rapidamente em vista de um futuro melhor.
Se pensarmos bem, quantas vezes os homens e mulheres de nosso tempo dedicam suas energias, sua inteligência e sua criatividade para conquistar riquezas, fama e poder? O mundo investe longas horas em estratégias financeiras, em campanhas de marketing, em cálculos políticos, em artimanhas para se manter em posição de destaque. E nós, filhos da luz, muitas vezes não demonstramos a mesma dedicação na busca do bem maior, que é a vida eterna.
São João Crisóstomo, comentando este trecho do evangelho, ensina que a parábola é uma exortação a usarmos os bens terrenos para conquistar amigos no Céu, especialmente através da caridade. Em outras palavras, o dinheiro pode ser instrumento de perdição, mas também pode se tornar caminho de santificação quando usado para socorrer os pobres, sustentar a Igreja e promover o bem comum.
Ao longo de toda a Sagrada Escritura, o apego às riquezas é constantemente apresentado como um risco espiritual. Não que os bens materiais sejam maus em si, mas porque têm a capacidade de prender o coração humano e desviá-lo de Deus. Por isso, Jesus conclui essa parábola afirmando, “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13).
Aqui está o cerne do ensinamento, não se trata apenas de condenar a corrupção do administrador, mas de nos mostrar a necessidade de escolhermos quem realmente servimos. O dinheiro, quando idolatrado, torna-se um deus cruel, que exige sacrifícios e promete uma segurança que nunca se cumpre. Quantas famílias são destruídas por causa da ambição desmedida? Quantos corações se tornam duros por não conseguirem enxergar além dos números da conta bancária?
Outro ponto importante da parábola é a advertência de Jesus, “Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16,10).
Essa afirmação nos leva a refletir sobre as pequenas escolhas cotidianas. Muitas vezes pensamos que só seremos provados em grandes decisões, em momentos extraordinários, mas a verdade é que a santidade se constrói nos detalhes da vida diária. A honestidade no trabalho, a justiça nos relacionamentos, a generosidade no trato com os pobres, a fidelidade às pequenas promessas feitas a Deus e ao próximo. Tudo isso revela se estamos preparados para receber os bens maiores do Reino dos Céus.
Santa Teresa de Lisieux nos ensina justamente esse caminho da fidelidade no pequeno. Em sua pequena via, ela nos recorda que fazer as coisas mais simples com grande amor tem um valor imenso diante de Deus. Não precisamos de feitos grandiosos para sermos santos, precisamos de fidelidade diária, mesmo naquilo que o mundo despreza como insignificante.
A parábola também nos recorda que tudo aquilo que temos não é nosso em sentido absoluto, mas nos foi confiado por Deus. Somos apenas administradores, não proprietários definitivos e um dia também seremos chamados a prestar contas diante do Senhor de nossa vida.
Quando compreendemos isso, a nossa relação com os bens materiais muda. Já não nos sentimos donos absolutos, mas servos responsáveis. E a pergunta que devemos nos fazer todos os dias é, “o que estou fazendo com aquilo que Deus colocou em minhas mãos?”.
Jesus nos convida a usar o dinheiro para conquistar amigos que nos recebam nas moradas eternas (cf. Lc 16,9). O que isso significa? Significa que o uso dos bens deve ser orientado para a caridade. Quando ajudamos os necessitados, quando investimos na evangelização, quando sustentamos obras de misericórdia, estamos, na verdade, transformando o dinheiro em amor concreto.
E esses atos de amor não ficam sem recompensa. No Céu, aqueles que foram beneficiados por nossa caridade se tornarão nossos amigos e intercessores. Assim, o que era perecível se torna eterno, o que era passageiro se converte em tesouro no Reino de Deus.
São Basílio Magno ensina com clareza, “o pão que tu guardas pertence ao faminto; o manto que tu conservas no armário pertence ao que está nu; o dinheiro que escondes pertence ao necessitado”. Esta é a verdadeira lógica do Evangelho, uma lógica que vai na contramão do egoísmo do mundo.
No final, a parábola nos conduz a uma escolha radical, Deus ou o dinheiro. Não se trata de uma escolha teórica, mas prática, concreta, que se manifesta em cada decisão cotidiana. A cada momento da vida, estamos dizendo a quem pertencemos, quem é o nosso senhor, a quem realmente entregamos o coração.
O Catecismo da Igreja Católica nos recorda que a idolatria não é apenas adorar falsos deuses, mas também colocar qualquer coisa no lugar que só pertence a Deus. O dinheiro, quando idolatrado, torna-se um ídolo que exige sacrifícios humanos, e quantos hoje sacrificam sua família, sua saúde, sua honestidade e até sua fé em nome dele.
Mas Jesus nos chama a uma liberdade maior, servir somente a Deus. E quando servimos a Deus, aprendemos a usar os bens materiais sem sermos usados por eles, aprendemos a possuir sem sermos possuídos, aprendemos a viver neste mundo com os olhos voltados para o Céu.
O evangelho não é um elogio à corrupção, mas um apelo à sabedoria cristã. Jesus nos convida a sermos fiéis no pouco, a administrarmos bem os dons que nos foram confiados, a usarmos os bens materiais em favor da caridade e, sobretudo, a escolhermos servir unicamente a Deus.
Talvez você já tenha experimentado as tentações do dinheiro, talvez já tenha se sentido preso pela ansiedade de acumular, talvez até já tenha caído na tentação de medir a própria vida pelo saldo da conta bancária. Se esse for o caso, lembre-se, ainda é tempo de escolher a quem servir. Deus é misericordioso e está sempre disposto a nos ajudar a reorganizar a vida, colocando-O novamente no centro.
Que o Espírito Santo lhe conceda a graça da liberdade interior, a sabedoria para usar bem os bens que lhe foram confiados e a coragem para viver com fidelidade os pequenos detalhes.
Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.




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