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No Domingo, não existe santidade sem obediência

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“Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5-10).
27º Domingo do Tempo Comum | Domingo | Ano C

Neste domingo, a Santa Mãe Igreja nos convida a refletir a passagem do Evangelho segundo São Lucas (17,5-10) que revela, de modo singelo e profundo, a natureza da fé e o verdadeiro sentido do serviço cristão. Os apóstolos dirigem a Jesus um pedido que também brota de nossos corações, “Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5b). E o Senhor responde com uma imagem desconcertante, “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,6).   Em seguida, o Senhor ensina sobre a atitude do servo que, tendo feito tudo o que lhe foi mandado, diz: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10b).   

À primeira vista, parecem duas lições distintas, uma sobre fé e outra sobre humildade, mas na verdade tratam do mesmo mistério, a fé autêntica se expressa na obediência humilde, e a obediência verdadeira só é possível pela fé.

Santo Agostinho, bispo e Doutor da Igreja,  comentando essa passagem, dizia que a fé é a raiz de toda a vida cristã, é dela que brotam as obras, assim como o tronco, os ramos e os frutos dependem da raiz que os sustenta. Ele recorda que “a fé que não opera pelo amor é estéril, e o amor sem fé é cego” (Enchiridion, VIII, 31). O grão de mostarda, pequeno e quase invisível, contém dentro de si uma força vital que, uma vez lançada à terra, cresce e transforma o ambiente. Assim é a fé, não se mede por sua aparência, mas por sua vitalidade interior, pelo poder que tem de transformar o coração que crê.

Os apóstolos pedem a Jesus que lhes aumente a fé, e o Senhor, em sua sabedoria divina, não lhes dá mais fé, mas os convida a reconhecer que basta uma fé autêntica, ainda que pequena. Pois a fé não é uma quantidade que se acumula, mas uma qualidade que se purifica. São Gregório Magno, Papa e Doutor da Igreja, em suas Homilias sobre os Evangelhos, explica que “a fé não cresce quando se multiplica em palavras, mas quando se firma na confiança da alma”. Ele nos ensina que não é o tamanho da fé que importa, mas a sua verdade, uma fé viva, ainda que minúscula, move montanhas porque está unida à vontade de Deus, que é onipotente.

Na sequência, o Senhor fala do servo que trabalha no campo e depois serve à mesa, e que, mesmo após cumprir todas as ordens, não busca recompensa, mas apenas cumpre o seu dever. Este trecho é o contraponto necessário à primeira parte. Se a fé move montanhas, é preciso que essa fé não se converta em orgulho. Aquele que acredita de verdade reconhece que tudo o que faz, faz pela graça, e que nada é seu mérito próprio. São Tomás de Aquino, o doutor angélico, em sua Suma Teológica (II-II, q.161), ao tratar da virtude da humildade, explica que ela consiste em reconhecer a verdade sobre si mesmo diante de Deus, o homem, criatura limitada, nada pode senão pela graça divina. Portanto, o servo “inútil” é aquele que compreende que todo o bem que realiza provém do Senhor e, por isso, permanece na obediência e na gratidão.

A fé, quando verdadeira, não busca sinais nem recompensas. É como a luz que não precisa provar sua existência, pois ilumina. São João Crisóstomo, o Doutor “Boca de Ouro” da Igreja, observa que “a fé genuína é aquela que não pede provas, mas oferece entrega” (Homilia sobre Mateus 52,4). O apóstolo que diz “aumenta a nossa fé” é o mesmo que, mais tarde, aprenderá a crer mesmo quando tudo parecer contrário, quando o Mestre for levado à cruz. A fé que o Senhor deseja não é uma sensação de segurança, mas uma adesão firme à Sua vontade, mesmo quando a razão humana vacila.

No fundo, o ensinamento deste evangelho é um chamado à maturidade espiritual. O discípulo deve aprender que servir a Deus não é um meio para conquistar méritos, mas um ato de amor gratuito. São Bento, Papa e pai do monaquismo ocidental, em sua Regra, descreve o monge ideal como aquele que “nada antepõe ao amor de Cristo”. Essa é a essência da vida cristã, não servir por interesse, mas por amor. Quando o servo diz “somos servos inúteis”, ele não está depreciando sua dignidade, mas reconhecendo que sua utilidade está em ser uma ferramenta nas mãos do Senhor.

O São João Paulo II, o Papa “Peregrino do Amor”, em uma de suas catequeses sobre a fé, afirmou que “a fé é o abandono confiante nas mãos do Pai, que transforma a obediência em liberdade e o serviço em alegria”. Isso é o oposto do espírito do mundo, que busca ser servido e exaltado. O cristão deve encontrar grandeza no servir porque Cristo veio não para ser servido, mas para servir.

Santo Bernardo de Claraval, o Doutro “Varão de Fogo” da Igreja, dizia que “a humildade é o fundamento de toda a construção espiritual, porque sem ela a fé desmorona e a caridade se esfria”. Quando o servo reconhece que é “inútil”, está dizendo, “Sou dependente da graça”. E esta é a confissão mais bela que pode sair dos lábios de um cristão. A fé não é orgulho espiritual, mas a consciência de que Deus age em nós apesar de nossa fraqueza.

A fé que o Senhor pede é, portanto, a fé que se torna obediência. Obediência não cega, mas iluminada pela confiança em quem é a Verdade. São Tomás de Aquino distingue a “fides informis”, a fé sem caridade, da “fides formata”, a fé moldada pelo amor. Somente essa fé viva é capaz de mover o homem à obediência humilde e perseverante.

Em um mundo que exalta a autonomia e despreza a obediência, este Evangelho é uma contracultura. Ensina-nos que o verdadeiro poder não está em dominar, mas em servir, que a grandeza não está em ser reconhecido, mas em permanecer fiel. O grão de mostarda é pequeno, mas sua força está em germinar na terra escondida. Assim também, o servo fiel talvez seja esquecido pelos homens, mas é lembrado por Deus.

Peçamos com os apóstolos, “Senhor, aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5b). Não para realizarmos prodígios, mas para permanecermos firmes no serviço. Não para recebermos aplausos, mas para amarmos com pureza. Não para termos mais, mas para sermos mais teus. Que a fé que recebemos no batismo floresça em obediência e humildade, e que, ao final de cada dia, possamos dizer com paz e alegria, “somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”, para assim jamais esquecermos que não existe santidade sem obediência. 

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.