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No Domingo, Deus encontrará fé em nós

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“E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos?” (Lc 18,1-8).

29º Domingo do Tempo Comum | Domingo | Ano C

A parábola do juiz iníquo e da viúva persistente (Lc 18,1-8) nos convida a meditar sobre uma virtude esquecida e, ao mesmo tempo, essencial, a perseverança na oração. O Evangelho inicia com clareza o propósito da parábola, “Jesus contou-lhes uma parábola para mostrar a necessidade de orar sempre e nunca desistir” (Lc 18,1). Não se trata, portanto, apenas de uma lição moral sobre insistência, mas de um ensinamento profundo sobre a natureza da fé e a relação entre o homem e Deus.

A figura da viúva, na simbologia bíblica, representa aquele que nada tem, o desamparado, o que depende da misericórdia de outrem. São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, interpreta a viúva como imagem da alma que, privada do Esposo celestial, clama pela justiça divina contra o adversário, que é o demônio. Ela simboliza a humanidade ferida, que, enquanto peregrina neste mundo, geme e suplica diante do tribunal da história, esperando o justo julgamento de Deus.

O juiz da parábola, por sua vez, é o retrato da indiferença humana, aquele que “não temia a Deus e nem respeitava homem algum” (Lc 18,2). Cristo, ao descrever tal personagem, não o faz para equiparar o Pai àquele juiz, mas para contrastar a justiça divina com a corrupção humana. Se até mesmo um juiz injusto se move diante da insistência da viúva, quanto mais o Pai celeste atenderá à súplica constante dos seus filhos. Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja, observa que “Deus não se atrasa em ouvir-nos; somos nós que nos atrasamos em pedir-Lhe corretamente”. Ele não precisa ser convencido por nossa insistência, mas é através dela que nossa fé se purifica e amadurece.

A oração perseverante não tem como finalidade mudar a vontade de Deus, mas conformar a nossa à d’Ele. São Tomás de Aquino, o doutor angélico, na Suma Teológica (II-II, q.83, a.2), ensina que “a oração é necessária, não para informar a Deus, mas para elevar o homem até Deus”. O ato de orar constantemente forma em nós uma disposição interior de dependência, humildade e confiança. A oração é o exercício da esperança, o treinamento da alma que aprende a esperar não o que deseja, mas o que é bom aos olhos de Deus.

Perseverar na oração é, portanto, participar da pedagogia divina. Deus, às vezes, parece calar-se, mas seu silêncio é sempre educativo. São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja, com a clareza dos Padres Orientais, afirma que “Deus retarda o cumprimento dos nossos pedidos para nos fazer crescer na paciência e no amor; o que Ele concede facilmente, não se valoriza devidamente”. Assim, o atraso de Deus não é ausência, mas cuidado, não é descaso, mas um modo de purificar a intenção de quem pede.

A viúva, símbolo da alma que suplica, não desiste. Ela volta, insiste, clama. Sua persistência incomoda o juiz, que acaba por atendê-la apenas para livrar-se dela. Aqui está o contraste entre o amor de Deus e a insensibilidade humana. O homem injusto atende por cansaço, Deus atende por amor. O Papa São Gregório Magno, no Homiliário sobre os Evangelhos, explica que “se o juiz injusto cedeu ao pedido da viúva por insistência, quanto mais o Juiz justo ouvirá os clamores dos seus eleitos, que dia e noite o invocam”. A oração contínua é o sinal dos eleitos, dos que não se cansam de esperar o Reino.

Contudo, o Evangelho termina com uma pergunta que ecoa como um desafio, “mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,8b). É como se Jesus dissesse, não basta pedir, é preciso perseverar na fé até o fim. Santo Beda, o Venerável, interpreta essa pergunta como um alerta, a perseverança na oração é também perseverança na fé. Muitos rezam, mas poucos confiam até o fim. O perigo não é que Deus deixe de ouvir, mas que o homem desista de crer.

A oração perseverante é o remédio contra o desânimo espiritual, contra a frieza da alma e a desesperança diante das injustiças do mundo. Ela é o exercício diário da fé, a respiração da alma que, como a viúva da parábola, insiste diante do trono de Deus. São João Cassiano, mestre da vida monástica, dizia que “o fruto da oração não está em ser atendido, mas em não deixar de orar”. A oração constante nos transforma, mesmo quando as circunstâncias não se alteram.

Dessa forma, a parábola não é apenas um convite à insistência, mas à comunhão. Orar sem cessar é viver em presença de Deus, é não permitir que a alma se afaste de seu Esposo. Santa Teresa d’Ávila, doutora da oração, chamava a oração de “trato de amizade com Aquele que sabemos que nos ama”, tratando assim a oração como a perseverança no amor.

Quando Cristo pergunta se encontrará fé na terra, pergunta se encontrará corações que ainda sabem esperar, confiar e amar. A oração constante é o coração que pulsa da fé cristã, um coração que, mesmo cansado, não deixa de bater. Se a viúva da parábola não desistiu diante de um juiz injusto, muito menos nós devemos desistir diante do Juiz justo e misericordioso. Perseverar é crer e crer é amar até o fim.

Assim, a parábola nos recorda que a verdadeira oração é o eco da esperança. A viúva é a imagem da Igreja e de cada um de nós que, em meio às injustiças do tempo presente, continua a clamar, “venha a nós o vosso Reino”. E, enquanto o Reino não vem em plenitude, o Senhor nos pergunta, “mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,8b). Que Ele encontre, ao menos, em cada um de nós, a fé da viúva perseverante.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.