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No Domingo, a oração que converte

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“Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” (Lc 18,9-14).
30º Domingo do Tempo Comum | Domingo | Ano C

O Evangelho deste domingo nos apresenta uma das parábolas mais incisivas e, ao mesmo tempo, mais reflexivas de Jesus, a do fariseu e do cobrador de impostos. Nela, encontramos duas figuras que se colocam diante de Deus em oração, mas que o fazem de maneiras radicalmente distintas. Uma expressa a soberba do coração a outra, a humildade da alma. A diferença entre ambos não está no local, pois ambos sobem ao templo, mas na disposição interior de cada um.

O fariseu, revestido de suas próprias obras, recita diante de Deus o inventário de suas virtudes. Ele jejua, paga o dízimo e se mantém afastado dos pecadores. Entretanto, como observa Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja, “não é o que o homem oferece a Deus que o torna justo, mas o modo como o oferece”. A oração do fariseu é um hino a si mesmo, e não um diálogo com o Senhor. Ele vai ao templo para se exaltar, não para ser transformado.

O cobrador de impostos, por sua vez, permanece à distância, sem ousar levantar os olhos ao céu. Bate no peito e diz, “ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador” (Lc 18,13b). Aqui se manifesta a verdadeira oração, aquela que brota do reconhecimento da própria miséria e da confiança absoluta na misericórdia divina. São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, ensina que “a humildade é o fundamento de todas as virtudes; se ela é removida, o edifício espiritual desmorona”. O cobrador de impostos compreende essa verdade, ele não apresenta méritos, mas necessidades, não oferece argumentos, mas lágrimas.

A oração humilde é a única que penetra o coração de Deus, enquanto o fariseu, cheio de si, nada pede, porque nada sente faltar-lhe, o cobrador de impostos, vazio de si, tudo pede e tudo recebe. Santo Tomás de Aquino, o doutor angélico, na Suma Teológica (II-II, q.161, a.5), explica que “a humildade ordena o homem à verdade”. Assim, o cobrador de impostos, ao reconhecer sua culpa, não se humilha falsamente, mas coloca-se na verdade diante de Deus e é justamente essa verdade que o justifica.

A filosofia escolástica nos recorda que o ato de humildade é uma elevação, não uma diminuição. O homem não se torna menor ao reconhecer sua dependência de Deus, torna-se, na verdade, mais próximo de sua essência. Santo Anselmo, bispo e doutor da Igreja, no Proslogion, escreve, “não procuro compreender para crer, mas creio para compreender”. O cobrador de impostos vive essa lógica da fé, ele não busca provar sua justiça, mas confia na justiça de Deus.

A parábola, portanto, revela um paradoxo, “pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 18,14b) e esse ensinamento nos leva ao centro da nossa fé. Cristo não condena as boas obras do fariseu, o jejum, o dízimo e a observância, mas denuncia o orgulho que as contamina. O fariseu vive sob a aparência da virtude, enquanto o cobrador de impostos vive na verdade da conversão. São João Crisóstomo, arcebispo e doutro da Igreja, afirma que “nada é mais poderoso do que o coração contrito; ele transforma a cólera divina em misericórdia”.

“Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4,6b), pois o pecado pode ferir a alma, mas a soberba a endurece. A ferida que é reconhecida pode ser curada e a que é negada apodrece. O fariseu permanece enfermo por não admitir sua doença enquanto o cobrador de impostos é curado porque se apresenta diante do Médico divino.

Essa parábola é, em essência, uma lição sobre a verdadeira oração e a autêntica justiça. A oração do justo é a oração do pecador que confia. O fariseu fala de si e o cobrador de impostos fala com Deus. O primeiro busca aplausos, o segundo busca perdão. O primeiro sai do templo com a alma cheia de si, o segundo com o coração cheio de graça.

Santa Teresa d’Ávila, doutora da oração, recorda que “a humildade é andar na verdade”, e a verdade do homem é ser criatura, dependente do Criador. Quando o cobrador de impostos diz “tem piedade de mim”, ele pronuncia a oração mais perfeita, pois reconhece Deus como fonte de misericórdia e o homem como necessitado dela. Essa súplica ressoa em toda a história da Santa Igreja, tornando-se o coração da oração cristã, “Kyrie eleison, Christe eleison”.

Em tempos em que muitos sobem ao templo interior apenas para justificar-se, o Evangelho nos convida a ajoelhar o coração. A oração do cobrador de impostos é a resposta mais pura que o homem pode dar à graça. É o grito silencioso da alma que sabe que não merece, mas confia. E Deus, que vê o coração, não resiste à humildade.

Ao final, Jesus declara, “Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não” (Lc 18,14a). A justiça que salva não é a das aparências, mas a da contrição. É a justiça que nasce da humildade e floresce na misericórdia.

Que, diante do altar da vida, aprendamos a ser mais como o cobrador de impostos, conscientes de nossa pequenez, confiantes na bondade de Deus e firmes na esperança de sermos olhados com compaixão. A verdadeira oração não é a que impressiona, mas a que converte.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.