Sobre as indulgências pelos Fiéis Defuntos

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A Santa Mãe Igreja, em sua sabedoria materna, contempla o mistério da comunhão dos santos com uma profundidade que transcende o tempo e o espaço. No dia dedicado à Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, ela convida os fiéis a contemplar, com piedosa esperança, a realidade da morte à luz da misericórdia divina e do vínculo que permanece entre os vivos e aqueles que já partiram. É nesse horizonte que se insere o tesouro espiritual das indulgências, expressão concreta da comunhão dos santos e do poder redentor de Cristo que alcança até as almas do purgatório.

Catecismo da Igreja Católica ensina que “a doutrina e a prática das indulgências na Igreja estão estreitamente ligadas aos efeitos do sacramento da Penitência” (CIC, §1471). Pela indulgência, a Igreja, como dispensadora da Redenção, aplica ao fiel os méritos de Cristo e dos santos para a remissão das penas temporais devidas ao pecado. Trata-se de um ato de caridade espiritual, sustentado pelo amor e pela comunhão do Corpo Místico de Cristo, no qual a santidade de uns socorre a fraqueza de outros.

Santo Agostinho, refletindo sobre a solidariedade que une os membros da Igreja militante e a Igreja padecente, dizia que “não é de se duvidar que os mortos são ajudados pelas orações dos santos vivos, quando por eles se oferece o sacrifício do Mediador” (Sermão 172). O Bispo de Hipona, profundamente consciente da continuidade do amor cristão para além da morte, via nas obras de piedade e no Santo Sacrifício da Missa um verdadeiro auxílio aos defuntos. Essa doutrina, consolidada nos séculos, foi reafirmada por São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, que testemunhou que “as almas dos fiéis defuntos podem ser libertadas após a morte por meio dos sufrágios da Igreja”.

No mesmo sentido, Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (Suplemento, q.71), explica que “assim como os vivos podem auxiliar-se mutuamente em virtude da comunhão dos santos, também podemos auxiliar as almas dos defuntos, aplicando-lhes os méritos da Igreja, principalmente por meio da oração, da esmola e da celebração do Santo Sacrifício”. Para o Doutor Angélico, as indulgências são uma aplicação eficaz da justiça e da misericórdia divina, porque se enraízam na infinita satisfação de Cristo e na caridade do Corpo Místico.

Em sua solicitude pastoral, a Santa Mãe Igreja convida-nos, especialmente no tempo em torno do dia 2 de novembro, a ganhar indulgências plenárias pelos defuntos. De acordo com as normas estabelecidas pela Penitenciaria Apostólica e confirmadas pelo Papa Francisco, é possível lucrar indulgência plenária, aplicável somente às almas do purgatório, nas seguintes condições:

– Do dia 1º ao dia 8 de novembro, visitando piedosamente um cemitério e rezando, ainda que apenas mentalmente, pelos defuntos;

– No dia de Todos os Fiéis Defuntos (2 de novembro), visitando uma igreja ou oratório e rezando o Pai-Nosso e o Credo;

– Em ambos os casos, o fiel deve cumprir as condições habituais: confissão sacramental, comunhão eucarística, oração nas intenções do Sumo Pontífice e total desapego do pecado, mesmo venial.

Essas condições não são meras formalidades, mas expressões de uma conversão sincera, sem a qual o dom da indulgência perderia seu sentido espiritual. O fiel, purificado pelo sacramento da reconciliação e alimentado pelo Corpo de Cristo, participa da misericórdia divina que alcança também os que esperam a visão beatífica.

Ao incentivar essas práticas, a Igreja não propõe um “atalho” espiritual, mas recorda que a caridade se estende para além da morte. Na economia da salvação, ninguém se salva sozinho, os méritos de Cristo e dos santos sustentam os que ainda caminham e libertam os que se purificam. É o eco do ensinamento paulino, “se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um é honrado, todos se alegram com ele” (1Cor 12,26).

Em nossos tempos a Igreja tem reiterado essa dimensão eclesial das indulgências, o Papa Bento XVI, na homilia de Finados de 2006, recordava que “a oração pelos defuntos é o maior gesto de caridade espiritual, porque manifesta a fé na ressurreição e a confiança na misericórdia de Deus”.

No dia dos Fiéis Defuntos, portanto, a prática das indulgências não é um rito antigo a ser cumprido mecanicamente, mas uma manifestação viva da comunhão dos santos e da esperança cristã. Ao rezarmos pelos falecidos, tornamo-nos instrumentos do amor de Deus que purifica, consola e transforma. As indulgências, longe de serem um comércio espiritual, são a expressão da economia da graça, onde o amor de Cristo, derramado na Cruz, continua a agir no tempo, alcançando os que ainda aguardam a plenitude da glória.

Assim, ao pisarmos um cemitério e traçarmos o sinal da cruz sobre o túmulo de um ente querido, lembremo-nos de que a morte não é o fim, mas a passagem. Rezemos com a confiança dos santos e a sabedoria da Igreja, como rezava Santa Gertrudes, pois a caridade, quando é verdadeira, não conhece fronteiras, nem mesmo as do túmulo.

“Eterno Pai, Ofereço-Vos o Preciosíssimo Sangue de Vosso Divino Filho Jesus, em união com todas as Missas que hoje são celebradas em todo o mundo; por todas as Santas almas do purgatório, pelos pecadores de todos os lugares, pelos pecadores de toda a Igreja, pelos de minha casa e de meus vizinhos. Amém”. 

Santa Gertrudes, rogai por nós!

Almas do purgatório, rogai por nós!

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.