“Felizes os servos que o senhor encontrar acordados quando chegar” (Lc 12,35-40).
Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos | Domingo | Ano C

A liturgia deste dia nos convida à contemplação do mistério da morte à luz da esperança cristã. Diante dos túmulos, a Igreja não se reveste de desespero, mas de fé, não fala de fim, mas de plenitude. O evangelista São Lucas traz as palavras de Jesus que, mais do que um aviso, são uma promessa, “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12,35b), é o chamado à vigilância amorosa, à espera atenta do Senhor que vem.
Na lógica do mundo, a morte é uma ruptura, na lógica do Evangelho, é reencontro. São Cipriano de Cartago, mártir e santo Padre da Igreja, ensinava que “não devemos lamentar os que partem, mas segui-los com o desejo de reencontrá-los”. A fé cristã transforma o luto em saudade fecunda, porque enxerga além da escuridão do túmulo a luz da ressurreição. O Senhor não fala de morte como ameaça, mas como hora da verdade, momento em que se revela a fidelidade de quem viveu vigilante.
“Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar” (Lc 12,37a), a vigilância, neste contexto, não é mero medo de castigo, mas expressão de amor. Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja, ensina que “o temor servil evita o pecado por medo do inferno, mas o temor filial o evita por amor a Deus”. A vigilância cristã nasce desse amor que não dorme. É o coração que permanece desperto porque ama, é a alma que mesmo nas sombras, mantém acesa a lâmpada da fé.
São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, comentando este Evangelho, escreve que “cingir os rins é refrear os desejos terrenos; manter acesa a lâmpada é conservar viva a fé pelas boas obras”. Assim, a vigilância de que fala o Senhor é tanto interior quanto exterior, vigiar é purificar o coração, mas também agir com caridade. A alma vigilante é aquela que, enquanto espera o Senhor, vive já segundo a luz do Reino.
Ao recordar os fiéis defuntos, a Santa Mãe Igreja não apenas reza pelos que partiram, mas ensina os vivos a estarem preparados. A morte não é o contrário da vida, mas o seu cumprimento. Santo Tomás de Aquino, o doutor angélico, explica que “a morte, para os justos, não destrói, mas aperfeiçoa a natureza, pois os conduz ao fim para o qual foram criados, a união com Deus” (Suma Teológica, I-II, q.5, a.5). A vigilância, portanto, não é ansiedade, mas sabedoria, é o exercício diário de quem sabe que tudo passa, menos o amor.
“Se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar,
não deixaria que arrombasse a sua casa” (Lc 12,39). O Senhor se apresenta como aquele que vem sem aviso, não para assustar, mas para recordar que o tempo é dom, e o amor não pode ser adiado. Santo Ambrósio, bispo e doutor da Igreja, em sua Exposição sobre o Evangelho de Lucas, interpreta o “ladrão” como a morte inesperada, que rouba não o que é nosso, mas o que não foi entregue a Deus. A vigilância como tal é entrega, viver de tal modo que se o Senhor viesse hoje nada houvesse por corrigir, apenas por consumar.
O costume cristão de rezar pelos mortos é expressão da comunhão dos santos. Ninguém se salva sozinho, todos caminhamos unidos. São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja, recorda que, “não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer por eles nossas orações; o auxílio espiritual é mais eficaz do que as lágrimas.” Na caridade da oração pelos defuntos, a Santa Mãe Igreja manifesta sua maternidade, abraçando aqueles que já cruzaram o limiar da eternidade.
A nossa fé nos ajuda a compreender que a morte é o ponto de encontro entre o tempo e a eternidade. A alma humana, criada para o infinito, encontra em Deus sua causa e seu destino. Santo Anselmo, arcebispo e doutor da Igreja, afirmava que “o coração do homem é inquieto enquanto não repousa em Deus”, ecoando a intuição de Agostinho. Essa inquietude não é desespero, mas desejo do Absoluto, nostalgia do Paraíso. Quando o Senhor diz “Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar” (Lc 12,37a), Ele fala aos que mantêm acesa essa saudade do Céu, os que vivem vigilantes porque amam.
A Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos é, portanto, uma celebração da fidelidade divina, rezamos pelos que dormem no Senhor porque cremos que Ele é fiel. O mesmo Cristo que venceu a morte prometeu, “quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25), nos mostra que na morte, o cristão não perde a vida, mas a reencontra em plenitude.
Diante da lembrança dos que amamos e partiram, somos convidados a renovar nossa vigilância e nossa esperança. Cada vela acesa num túmulo é símbolo dessa fé que não se apaga, dessa espera confiante no Senhor que vem. A morte, para quem vigia, é aurora e não ocaso, é o início da visão dAquele que foi esperado.
Que, ao contemplar o mistério da morte, não sejamos dominados pelo medo, mas conduzidos pela fé. E que, quando o Senhor vier bater à porta na hora que não sabemos, nos encontre com os rins cingidos e as lâmpadas acesas, prontos para abrir e entrar no banquete eterno.
Almas do purgatório, rogai por nós!
Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.




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