,

No Domingo, zele pela Casa de Deus

Written by

·

“O zelo por tua casa me consumirá” (Jo 2,13-22)
32º Domingo do Tempo Comum | Domingo | Ano C

Dedicação da Basílica do Latrão (Catedral de Roma) | Festa

O Evangelho deste domingo nos conduz ao templo, um lugar sagrado da presença de Deus entre os homens. Nele, Jesus realiza um gesto que à primeira vista, parece de indignação, mas que na verdade é expressão de um amor ardente e purificador. Ao ver o comércio instalado no átrio do Templo, o Senhor fez um chicote de cordas e expulsou os vendedores e cambistas, dizendo, “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2,16b). Com esse ato Cristo revela a santidade do culto e a necessidade da purificação interior de cada homem, templo vivo do Espírito Santo.

A ação de Jesus não é violência, mas zelo. O mesmo verbo que o evangelista utiliza (zēlos) exprime um ardor divino, um fogo interior que consome por amor. O gesto do Senhor não nasce do ódio, mas do amor à verdade e à santidade. Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja, ao comentar esta passagem, escreve que “o Senhor expulsou do Templo os que o profanavam exteriormente, para significar que deve ser expulso do coração tudo o que profana interiormente”.Sendo assim a purificação do Templo é figura da purificação da alma, Cristo não destrói, Ele ordena, restabelece, santifica.

Na tradição judaica o templo era o sinal da aliança, o espaço em que o homem encontrava Deus, mas com o tempo tornou-se palco de comércio e conveniência. O gesto de Jesus denuncia essa inversão, quando o sagrado é transformado em utilidade, a fé se corrompe. São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja, ensina que “não é a matéria das coisas que ofende a Deus, mas o coração mercenário que transforma o que é sagrado em interesse terreno”. A crítica de Jesus não é contra o dinheiro em si, mas contra o esquecimento de Deus no meio da prática religiosa.

Quando o Senhor declara, “Destruí, este Templo, e em três dias o levantarei” (Jo 2,19b), Ele revela o mistério mais profundo dessa passagem explicada pelo próprio evangelista, “mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo” (Jo 2,20). O novo Templo é o próprio Cristo. Na encarnação Deus não apenas visita, mas habita entre os homens, em Cristo, o divino e o humano se unem de modo inseparável. Santo Tomás de Aquino, o doutor angélico, comenta que “no corpo de Cristo, a divindade reside de modo substancial e pessoal; por isso, Ele é o verdadeiro Templo, no qual Deus habita e é adorado”.

Por isso a Santa Mãe Igreja nos ajuda a compreender que o Templo material é figura do espiritual, tudo o que é visível aponta para o invisível, e o gesto de Cristo manifesta essa passagem da figura à realidade. A antiga casa de pedra cede lugar à casa viva, edificada sobre a fé, assim como nos explica São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, “cada fiel é templo de Deus, se em seu coração habita o amor do Criador e não o ídolo do mundo”. Assim, a purificação do Templo é um chamado à conversão pessoal, Cristo quer expulsar de nós o ruído do comércio interior, as paixões desordenadas, o apego às vaidades e a frieza espiritual.

Quando Jesus purifica o Templo, Ele nos convida a rever o espaço da nossa própria interioridade. Quantas vezes o templo da alma se transforma em mercado? Quantas vezes trocamos a oração pelo cálculo, a gratuidade pela conveniência, o louvor pela autopromoção? O Senhor entra em nossas almas como entrou em Jerusalém, não para destruir, mas para redimir. Seu chicote não é mais de cordas, para nós ele é sacramental, o sacramento da confissão onde cada golpe é graça, cada expulsão é libertação.

Os discípulos recordam, ao verem o zelo de Cristo, o versículo do Salmo 69, “o zelo por tua casa me consumirá”. É o amor que consome, o fogo que purifica, por isso São Bernardo de Claraval, abade e doutor da Igreja, interpreta esse zelo como “a paixão de quem ama a Deus acima de todas as coisas e não suporta que algo profane o espaço sagrado do coração”. E é esse amor ardente é o mesmo que conduzirá Jesus à cruz, o zelo pela casa do Pai o consumirá totalmente, até o último suspiro.

Quando os judeus pedem um sinal para justificar seu ato, Jesus aponta para o mistério da ressurreição, “em três dias o levantarei” (Jo 2,19b). Assim a purificação do Templo é prelúdio da Páscoa, a cruz será o novo altar, o sangue o novo sacrifício, e o corpo ressuscitado o novo santuário. Como ensina Santo Irineu de Lião, o doutor da unidade, “onde está Cristo, ali está o Templo, e onde está o Templo, ali está o culto verdadeiro”.

Celebrar esta passagem é recordar que o cristão é chamado a ser templo vivo, casa de oração e morada de Deus. É permitir que Cristo entre com seu zelo e ponha ordem no interior do nosso coração. Mas sem jamais se acomodar, pois a purificação é obra contínua, o Senhor volta sempre a Jerusalém, a cada confissão, a cada Eucaristia, a cada oração sincera, para restaurar em nós a beleza original.

O zelo de Cristo não destrói o templo, mas o renova porque Ele não vem para lançar fora o homem, mas para expulsar o que nele o afasta de Deus. O verdadeiro culto não é o dos ritos vazios, mas o do coração purificado pela graça. Que o Senhor, ao entrar em nossos templos interiores, encontre espaço e silêncio, encontre fé e adoração.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.