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No Domingo, reconheça o Rei

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“Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino” (Lc 23,35-43) 
Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo | Solenidade | Ano C

Na solenidade que encerra o Ano Litúrgico, a Santa Mãe Igreja nos apresenta o paradoxo da realeza de Cristo, Ele reina do alto da cruz e sua coroa é de espinhos. Tudo aquilo que o mundo considera fraqueza, Deus transforma em majestade. Porque poder de Cristo não se manifesta dominando e não se impõe pela força, mas entrega-se por amor.

No calvário o povo observa, os chefes zombam, os soldados escarnecem, e até um dos malfeitores o insulta. O Rei universal é tratado como réu comum, no entanto, como nos ensina Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja, “na cruz, Cristo parecia perder o reino, mas era ali que Ele o conquistava”. Cada palavra dita aos pés da cruz se torna revelação do modo como Deus governa, Ele reina oferecendo perdão, reina suportando a dor, reina assumindo o lugar dos pecadores.

É nesse cenário que se destaca a voz humilde daquele que ficou tradicionalmente conhecido como o Bom Ladrão, São Dimas. Ele reconhece sua culpa, admite sua condenação e diante do Crucificado faz um pedido professando sua fé e diante de todos realizando uma oração sincera ao dizer, “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino” (Lc 23,42). O ladrão vê um rei onde todos veem um derrotado, contempla um trono onde todos veem um patíbulo.

São João Crisóstomo, arcebispo e doutor da Igreja, afirma que naquele instante, “o ladrão tomou o Céu como conquista pela porta da confissão”. Ele não pede livramento da cruz, mas um lugar no Reino, enquanto os poderosos zombam, ele crê e sua fé obtém a promessa que ecoa através dos séculos, “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43), porque aquele que a justiça humana condena, a misericórdia divina acolhe.

A cruz, portanto, não é apenas o lugar da morte de Cristo, mas o lugar de sua entronização. Ele é Rei porque ama até o extremo, é Rei porque se entrega sem reservas, é Rei porque, mesmo agonizando, abre as portas do Céu a quem o invoca. Santo Tomás de Aquino, o doutor angélico, ensina que “Cristo reina pela autoridade da verdade, pela força do amor e pela humildade da obediência”. Por isso, seu trono não é de ouro, mas de sacrifício e sua realeza não se mede por exércitos, mas por corações transformados.

O título pregado acima da cruz “Este é o Rei dos Judeus” é, como comenta São Beda, o venerável, “a verdade proclamada até pelos inimigos”. Aquilo que pretendia ser ironia dos homens torna-se o anúncio do próprio Deus, porque a realeza de Cristo não precisa de aprovação humana, ela se revela na soberania com que Ele assume a cruz, a dor e a morte, transformando tudo em linguagem de amor redentor.

A filosofia escolástica ajuda-nos a compreender que a realeza de Cristo é, antes de tudo, metafísica e espiritual. Ele é Rei porque, como Verbo eterno, é princípio e fim de todas as coisas, mas pela encarnação Ele quis reinar também no campo da história, assumindo a fragilidade humana para elevá-la à dignidade divina. Na cruz, divindade e humanidade se encontram, e ali se ergue o verdadeiro trono do universo.

O Bom Ladrão nos recorda que o Reino de Cristo não é conquistado pelos fortes, mas pelos que se reconhecem fracos, não pelos perfeitos, mas pelos que pedem misericórdia. O malfeitor confessa, crê, entrega-se e encontra o Rei. Seu pedido deve ecoar em cada um de nós, “Jesus, lembra-te de mim” (Lc 23,42),  essa súplica humilde rompe a distância entre a miséria humana e a majestade divina.

A solenidade de Cristo Rei do Universo nos convida a escolher qual olhar teremos diante da cruz. O dos chefes que zombam? O dos soldados que ridicularizam? Ou o do ladrão que, entre dores e sangue, reconhece o Rei? O mundo sempre nos condiciona a não reconhecer o Rei, seja priorizando as riquezas temporais, os prazeres momentâneos, os nossos impulsos mais básicos como se fossem a mais elevada necessidade. Mas o verdadeiro católico sabe que é necessário se entregar com confiança nas mãos de Deus para que Ele possa nos dar a força necessária para ordenar em nós as desordens que o mundo nos oferece e assim nos revelar o Reino Celeste.

Que, nesta solenidade, aprendamos a ver no Cristo crucificado o verdadeiro Rei do universo, Aquele cuja força é misericórdia, cuja vitória é a ressurreição, cujo poder é salvar.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.