Existem claras e importantes distinções entre nossa existência original, histórica, e a derradeira. Mas também existe uma continuidade. Em resumo, se a nossa origem e a nossa história giram em torno do “grande mistério” do amor divino e da comunhão esponsal, então nossa existência celeste irá girar ao redor dele, embora numa dimensão toda nova. Hoje vemos uma pálida imagem como num espelho, mas então contemplaremos o mistério “face a face” (cf. 1 Cor 13,12). 

“Em razão de sua transcendência, Deus só pode ser visto tal como é, quando ele mesmo abrir seu mistério à contemplação direta do homem e o capacitar para tanto. Essa contemplação de Deus na sua glória celeste é chamada pela Igreja de ‘visão beatífica’” (CIC n. 1 028 ). “Beatificar” significa fazer supremamente feliz. A insuperável beleza e o esplendor da visão eterna de Deus encherá os eleitos de uma felicidade sem fim. 

Recorde, o “face a face” original do homem e da mulher, a mútua visão de cada um. Pois bem, ela nos dá um pálido vislumbre ou prefiguração da visão beatífica. Como diz João Paulo II, o homem e a mulher experimentaram uma “beatificante imunidade da vergonha” em sua nudez, precisamente porque sua visão estava insuflada de amor. “Felicidade, afirma o Papa, é estar emaizado no amor” (3.01.1980). Homem e mulher não receavam se “verem” totalmente, porque cada um amava e acolhia o outro, no pleno realismo de sua nua humanidade. Sua visão expressava o profundo, pessoal e recíproco “conhecimento” mútuo. Eles “participavam” na pura bondade da humanidade de cada um. 

João Paulo II afirma que a visão beatífica do céu é “uma concentração de conhecimento e amor no próprio Deus”. Este conhecimento “não é outra coisa que a plena participação na vida íntima de Deus, isto é, na própria realidade trinitária” (16.12.1981). Na visão beatífica nós conheceremos a Deus e ele nos conhecerá. (Claro que ele já nos conhece). Participaremos “plenamente” da sua divindade, e ele participará inteiramente da nossa humanidade (embora já participe, por tê-la assumido na Encarnação). 

Deus como que se abaixou para participar da nossa humanidade, e nos permitir que participássemos de sua divindade. Que gloriosa permuta, não é? Como diz o Catecismo, “o Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus” (CIC n. 460), e assim podermos participar da natureza divina (cf. 2 Pe 1,4). O que, obviamente, não quer dizer que vamos perder nossa natureza humana e tornar-nos iguais a Deus. Significa, isto sim, que Deus quer nos dar uma participação em sua própria divindade, no grau em que a nossa humanidade é capaz de recebê-la. 

Tal permuta divino-humana expressa alguma coisa do “conteúdo” ou da dinâmica interna da visão beatífica. Lembre que foi justamente isto que a serpente fez para nos convencer de que Deus estava retendo para si a vida divina e a nossa felicidade. “Se querem ser ‘como Deus’, ela insinuou, vocês mesmos devem partir para a luta e agarrar o que desejam”. Mas não é assim! Deus sempre desejou a nossa plena participação em sua divindade. Trata-se de um dom gratuito, e todos precisamos abrirmos para acolhê-lo. Nada de avançar para agarrar o que Deus dá gratuitamente. O pecado, e todas as misérias humanas, começa aqui, isto é, quando nós mesmos queremos agarrar o presente. 

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

Fonte: WEST, C. Teologia do corpo para principiantes: uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II. Madrid: Myrian, 2008.

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