Sobre a guerra
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Quando eu estava no 6º Ano do ensino fundamental, nos meus áureos 12 anos de idade, a 20 anos atrás, quando em terras tupiniquins nós sequer usávamos essa nomenclatura, pois dizíamos orgulhosamente estarmos na 6ª série. Eu estudava em uma escola pública em minha cidade natal, meu inesquecível professor de história possuía uma técnica diferenciada de ensino, para cada aula dele, ele tinha um filme para exibir para a turma, o quê não preciso dizer, fazia dele o professor preferido de toda a escola, já que não precisávamos fazer nada além de assistir TV na escola. 

Muitas vezes os filmes eram longos e não cabia no tempo de suas aulas, então ele passava o mesmo filme a semana inteira, uma parte por vez, como se fosse uma série com vários episódios. Nós não sabíamos como ele avaliava os alunos, não sabíamos sequer o que de fato estávamos aprendendo, mas sabíamos que estava contando como aula e tudo bem. 

Mesmo uma criança de 12 anos que na a época não fazia ideia o que era plano de aula, conteúdo programático, ementa ou currículo escolar, chega em um momento que a gente começa a perceber que não há filmes diferentes para turmas diferentes, assim como acontecia com os livros e os assuntos. Todas as turmas estavam vendo os mesmos filmes, filmes esses que começaram com pegadas mais históricas como Gladiador e logo já estávamos vendo lançamentos da época como Shrek. 

Um dos filmes que ele passou, naquela época, foi um filme sobre a reforma protestante, era um filme muito velho, estava em preto e branco ainda e não faço ideia qual era o nome, mas uma cena chamou a minha atenção. 

Na cena, o monge Lutero chega em uma pequena cidade para assumir como auxiliar na igreja local, mas os moradores locais vendo que ele era um clérigo não o recebiam bem, ele pergunta a alguém que o recebia (não lembro bem quem) o motivo das pessoas o tratarem assim e a pessoa explicava para ele que aquela era uma vila pobre que já passava por dificuldades e que mais um padre era sinal que a igreja iria arrecadar mais imposto. 

Aquela cena me chamou a atenção, primeiro porque eu cresci como católico e nunca tinha ficado sabendo que a Igreja cobrava imposto, segundo porque aquele foi um dos filmes que só vimos a primeira parte, então não sabia como o filme terminava. Muitas vezes o professor começava um filme e esquecia onde parou e já começava outro, com o tempo nós criamos a teoria que ele se cansava de assistir porque passava o mesmo filme em várias turmas. 

Fui perguntar ao professor a respeito e ele me respondeu que na próxima aula eu ia entender, bom na próxima aula voltamos a assistir Gladiador pela sexta vez, então não entendi. Perguntei a uma irmã catequista da paróquia que eu frequentava na época, ela não gostava muito das minhas perguntas, dizia que eram inapropriadas para a minha idade, mas sempre foi muito gentil todas as vezes que se recusava a me responder, eu acreditava que seus votos como freira não permitiam que ela destratasse uma criança, uns 10 anos depois ela me ouviu pregar num evento para jovens, quando terminei ela veio até mim e disse, 

“Já tenho quase todas as respostas para as perguntas que eram inapropriadas para a sua idade, mas parece que agora elas são mais uteis para mim do que para você”.

Eu sorrir quando a reconheci e disse “se a senhora quiser contar, serei feliz em ouvir”. Mas não pude ouvir, três jovens noviças se aproximaram dela com muita calma, pediram licença e perguntaram, “Madre as crianças estão no ônibus 1 e os jovens no ônibus 2, a senhora irá em qual?”.

Ela voltou-se para mim, passou a mão na minha cabeça e disse, 

“Aquele tempo tendo que lidar com você fazendo perguntas que antes nenhuma criança me havia feito foi um tempo necessário para mim, uso tudo nos dias de hoje. Obrigada por permitir que Deus usasse você para me preparar. Não estou supressa em ver que aquele menino que usava um chapéu de palhaço na cabeça e sinos nas mãos para chamar atenção dos menores durante a catequese se tornariam um bom pregador, mas me surpreende ver que você continua usando chapéu.”

As jovens se entreolharam e uma delas sorridente pediu licença para me fazer uma pergunta, eu a deixei à vontade para fazer e ela me questionou. 

“Se Deus é bom e deseja o nosso bem e os judeus já eram povo de Deus antes mesmo de Jesus nascer, por que ele permitiu a segunda guerra mundial? E permitiu tudo aquilo com os Judeus e todos os outros povos?”

Eu sorrir para ela, não pelo teor da pergunta, mas pela lembrança que me trazia, a pouco mais de uma década eu havia perguntado isso a minha catequista preferida, eu estava feliz porque ela não só lembrava de mim, pelo jeito ainda fazia uso das minhas perguntas inapropriadas para ensinar. Enquanto eu sorria, ela insistiu para deixar claro que esparrava uma resposta. Perguntei quantos anos ela tinha, mas não a deixei responder, depois continuei. 

“Tinha que saber da sua idade, porque existem perguntas que são inapropriadas para crianças (eu sorrir para elas e respondi). Sua pergunta me parece um pouco errada e isso é normal, a questão principal não é se perguntar por que Deus permitia aquela guerra, Deus nos deixa livre para fazermos o que quisermos. Mas precisamos nos perguntar, porque as pessoas daquela época escolheram fazer guerra se Deus as deixou livres para fazerem o que quisessem, não poderiam todos daquela época terem construído hospitais, escolas, plantações de milho ou poços d’água? Cada ação nossa nos coloca mais perto ou mais longe de Deus, eu diria que muitas ações seguidas para longe de Deus geram guerras, enquanto muitas ações seguidas aturando uma criança com perguntas inapropriadas para a idade dela fazem de uma noviça uma irmã experiente, assim como fazem de uma irmã experiente, uma madre que escolhe ir no ônibus das crianças”. 

Elas olharam para a madre que só balançou a cabeça confirmando e se despediu de mim dizendo.  

“Que Deus te abençoe, siga seu anjo da guarda e continue fazendo e respondendo perguntas”.

Algumas semanas depois eu fui visitar o internato onde elas estavam, mas isso é uma outra história. O fato é que, assim como eu, muitas pessoas mundo a fora e em especial no Brasil (que é a minha experiência maior nesse aspecto) não tiveram a instrução que deveriam na escola, foram passando pelos anos escolares e de lá saíram sem saber muita coisa, se tornando adultos incapazes de interpretar textos complexos, criar relações entre fatos históricos, geográficos e geopolíticos, entre tantos que sequer sabem que os fatos aconteceram. 

Por isso, diante de uma guerra, não fiquem supressos com a quantidade de pessoas que acreditam que sabem do que estão falando e não sabem, pois elas sequer sabem que não sabem. Aqueles que por própria iniciativa foram atrás do conhecimento que lhe foi privado no período escolar podem, assim como eu, compreender uma parcela dessas complexas disputas do nosso tempo, mas como eu disse recentemente a um colega de trabalho, 

“Longe de mim me considerar especialista em geopolítica, pois não tenho conhecimento para isso, neste caso, pego emprestado as palavras de Sócrates ´só sei que nada sei`”. 

Continua na semana que vem.

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

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