Sobre a morte
Sobre a morte

Sobre a morte

Ouça aqui e compartilhe

Os últimos anos marcaram muitos de nós com mortes para as quais não estavam preparados, em especial por muitos que partiram aceleradamente devido as implicações da covid-19. Assim como partiram também muitas figuras ilustres que marcaram e influenciaram a sociedade e nossas vidas das mais diversas maneiras, não importa em que parte do mundo nascemos ou vivemos em alguma medida pessoas como a Rainha Elizabeth II, o Papa Bento XVI ou o rei do futebol Pelé tiveram algum impacto em nossas vidas e em nossa cultura. 

A lista de nomes mundialmente conhecidos e de anônimos é grande e cada um que ousar fazê-la terá seus próprios nomes para acrescentar, mais três coisas são inegáveis a esse fenômeno. 

Primeiro, a morte é uma realidade inevitável e por mais que a medicina moderna tenha evoluído e a expectativa de vida aumentado todos morremos. Mesmo vivendo numa sociedade obcecada pela aparência que a cada dia consome mais produtos cosméticos para tentar retardar as evidências do tempo em seus corpos, todos iremos morrer um dia. 

Segundo, os ícones de uma geração não devem ser desprezados pelas gerações seguintes, mas eles, assim como qualquer anônimo, também vão morrer. E por viverem eras semelhantes, quando tudo ocorre bem, também tendem a morrerem em eras semelhantes, então não fiquem achando que o ano A ou B foi o pior porque muitas pessoas que você admirava morreram, isso é natural. 

Terceiro, desde o início das civilizações humanas as pessoas lidavam com a morte, estavam preparadas para ela e tinham seus próprios rituais, não é difícil de você encontrar conteúdo histórico de qualidade a esse respeito, babilônicos, sumérios, egípcios, mongóis, nórdicos, bárbaros, gregos, romanos, astecas, tupis, incas etc.

Mas se de um lado a outro do globo todas as antigas civilizações possuíam rituais próprios para a morte, por que o cristão ocidental moderno se escandaliza e sofre tanto diante da morte?

A verdade é que existe várias causas para esse fenômeno, enquanto a cultura moderna construiu para si uma espécie de culto ao corpo onde o desejo de evitar a todo custo os sinais do tempo e da idade, acabou gerando um efeito colateral de descaso com os mais velhos, tratando-os como se fossem apenas um fardo, fazendo com que os próprios idosos não desejassem ser idosos. 

Esse descaso criou seu próprio efeito colateral, o desrespeito, que faz com que as pessoas, principalmente as mais jovens, sempre desejem menosprezar a sabedoria e os conhecimentos dos mais velhos, muitas vezes não por considerar tal conhecimento inútil ou defasado, mas por medo de sentir-se velho e logo ser regurgitado para o canto pela sociedade a sua volta. 

Como já era de se esperar o desrespeito criou seu próprio efeito colateral, o progresso sem base sólida, nenhum conhecimento, inovação, tecnologia, produto ou afins que exista no hoje, existe no vácuo, mas quanto mais se ignora o legado do passado, menos se é capaz de construir coisas novas para continuar avançando. Ao mesmo passo que se ignora o legado dos antepassados, se volta a cometer os mesmos erros que já foram cometidos antes e é necessário aprender a mesma coisa novamente, vivendo sempre um desejo de progresso que sem base sólida não passa de uma corrida em círculo sem de fato avançar. 

Sabendo que você já entendeu, é claro que ignorar o passado e desprezar seu legado gerou seu próprio efeito colateral, as pessoas começaram a pensar de maneira rasa, apenas no corte temporal da própria vida, coisa que pode ser facilmente traduzida na frase clichê “só se vive uma vez”. E ao pensar que só se vive uma vez, precisamos “aproveitar” essa vida. 

Agora olhe para todos esses efeitos colaterais e os coloque em uma sociedade onde falar de pecado está fora de moda, os padres em geral não falam mais sobre o inferno. Talvez você não tenha percebido ou já esteja tão dormente para esses temas que já torceu o nariz ao ler esse parágrafo. 

Isso porque facilmente você encontrar quem te diga que Deus é amor e misericórdia, sim, de fato Ele é. Mas é preciso recalibrar você, porque se você é católico e está vivendo apenas sobre esse mantra, você está vivendo uma dissonância cognitiva muito perversa. É exatamente porque Deus é amor e misericórdia que precisamos falar sobre o pecado e sobre o inferno. Porque falar sobre como nossos pecados podem nos levar para o inferno é falar sobre a morte e sobre o pós-morte. 

Agora pense um pouco, existe algo mais caridoso, amoroso e misericordioso do que retirar alguém da ideia efêmera de que a vida é só isso que podemos fazer no agora e colocá-lo na eternidade? 

Serei mais prático para que você possa entender, imagine um menino de 9 anos de idade cuja mãe está morrendo em um leito de hospital, diante da morte eminente o que é amor? Olhar para a criança e dizer “é o meu fim, nada me resta, adeus para sempre” ou recordar a ele a Boa Nova, ensinar como rezar pela alma e como Jesus Cristo poderá acolherá na vida eterna? E antes que você tente argumentar, não, não estamos mentindo para a criança, essa é a fé da Igreja. 

Não, isso não é um exemplo do todo fictício, se trocarmos a idade do menino de 9 anos, para 33 o que temos é uma bela demonstração de fé, amor e misericórdia por parte de Santa Mônica que em seu leito de morte ensinava aos amigos de seu filho Santo Agostinho.

“Sepultem este corpo em qualquer lugar, e não se preocupem mais com ele. Peço apenas que se lembrem de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejam”.

Santa Monica

Quando se tem fé a morte é apenas mais um passo para próximo de Deus, com isso, não quero que pense que é ilegítimo ficar triste com a morte de alguém, o próprio Santo Agostinho relata seu pesar após a morte de sua mãe. 

“De fato, não julgávamos correto celebrar aquele funeral com lágrimas e choro, pois tais demonstrações deploram geralmente o triste destino dos que morrem, ou sua total extinção. A morte de minha mãe não era uma desgraça, e ela não morria para sempre, e disto estávamos certos pelo testemunho de seus costumes, por sua fé sincera e outras razões inequívocas. Que era então o que tanto me pungia, senão a ferida recente causada pelo rompimento repentino de nosso dulcíssimo e querido convívio?”

Santo Agostinho

O laço contínuo do convívio quando se rompe, provoca sim certa tristeza, mas não nos leva a um vazio inexplicável ou a um desespero incontrolável, a fé no algo mais, nos mantem firme e impede que olhemos para essa vida como a única oportunidade, impede que tenhamos medo de envelhecer, impede que desrespeitemos os mais velhos e seus ensinamentos, garante um progresso saudável com base sólida, garante um verdadeiro legado para os nossos e para as civilizações, garante que seja possível uma vida onde o amor e a misericórdia não são apenas palavras vazias utilizadas para justificar as mais absurdas e execráveis desordens humanas. 

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

Deixe uma resposta