SOLIDÃO ORIGINAL: A PRIMEIRA DESCOBERTA DA “PERSONALIDADE”
SOLIDÃO ORIGINAL: A PRIMEIRA DESCOBERTA DA “PERSONALIDADE”

SOLIDÃO ORIGINAL: A PRIMEIRA DESCOBERTA DA “PERSONALIDADE”

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“O Senhor Deus disse então: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda’” (Gn 2, 18). O significado mais óbvio desta “solidão” é que o homem se encontra sozinho, sem mulher. No entanto, deste versículo o Papa extrai um sentido mais profundo. No relato da criação nem sequer se faz distinção entre homem e mulher, até o “sono profundo” de Adão. Aqui Adão nos representa a todos – homens e mulheres (adão, no hebraico, significa “homem” em sentido genérico). Ele surpreende- se “sozinho”, pois é a única criatura corpórea feita à imagem e semelhança de Deus. Como homem, está “sozinho” no mundo visível como uma pessoa. 

Quando se põe a dar nomes aos animais, descobre também seu próprio “nome”, sua identidade. Ele procurou uma “auxiliar” entre os animais, e não a encontrou (cf. Gn 2, 20). Ele era diferente dos animais. E que é que o ser humano tem e os animais não? A liberdade. Adão não é determinado por sua instintividade. Como os animais, também ele foi tirado do “pó” (tem um corpo). Concomitantemente, porém, ele possui um “sopro de vida” que inspira seu corpo (cf. Gn 2, 7). E um corpo inspirado é bem mais que um simples corpo, é alguém, uma pessoa. E uma pessoa pode decidir o que fazer com seu corpo. Simples pó, não!

Nesta liberdade, Adão experimenta-se como um eu. Ele é mais que um “objeto” no mundo. É um “sujeito”. Possui um “mundo interior” ou uma “vida interior”, coisa que não se pode dizer de um esquilo ou de uma galinha. É precisamente essa “vida interior” que as palavras “sujeito” e “pessoa” incluem. Apesar de certas propagandas modernas afirmarem o contrário, sabemos intuitivamente que as galinhas não são “gente”. Devemos ter um respeito especial a todas as criaturas de Deus (cf. CIC n°. 2415-241 8), apesar de nenhuma outra criatura corpórea participar da dignidade de ser criada à imagem de Deus. 

Por que foi Adão dotado de liberdade? Por ter sido chamado a amar e, sem liberdade, é impossível amar. Em sua solidão, o primeiro homem percebe que sua origem, sua vocação e seu destino é o amor. Percebe que, diferentemente dos animais, é convidado a entrar em “aliança de amor” com o próprio Deus. É esta união de amor com Deus que, mais do que qualquer outra coisa, define sua “solidão”. Ao experimentar esse amor, com todo o seu ser anseia por partilhá-ló com outra pessoa igual a ele. É por isto que “não é bom para o homem ficar sozinho”. 

É na solidão, portanto, que Adão descobre a sua dupla vocação: amar a Deus e amar ao próximo (cf. Me 12, 29-31). Descobre igualmente a capacidade de negar essa vocação. Deus o convida a amar, mas não o obriga, porque amar por obrigação, de jeito nenhum é amar. Adão tanto pode responder “sim” ao convite de Deus, como pode responder “não”. Esta opção fundamental é expressa e percebida em seu corpo. Solidão – a primeira descoberta da personalidade e da liberdade – é algo espiritual, no entanto, é “experimentada” corporalmente. Como diz o Papa, “o corpo expressa a pessoa” (31.10.1979). E podemos também dizer, o corpo expressa a liberdade da pessoa, ou, pelo menos, para isto é destinado. 

Recuperando uma frase por demais usada, Deus é totalmente “pró-escolha”, isto é, em favor da escolha. Foi ele quem nos deu a liberdade em primeiro lugar. No entanto, certas escolhas negam a nossa vocação para amar. Certas escolhas nunca trazem felicidade. Em certo sentido, somos “livres” para “fazer o que queremos com nossos corpos”. Mas não somos livres para determinar se o que fazemos com nossos corpos é bom ou mau. Conforme Adão aprendeu, esta é uma árvore (a árvore da ciência do bem e do mal), cujos frutos não pôde saborear, sob pena de morrer (cf. Gn 2, 16- 17). A liberdade humana – “escolha” portanto, não se exerce plenamente, inventando o bem e o mal, mas optando pela forma correta de agir. 

Todas estas introspecções estão “contidas” na experiência de solidão do primeiro homem. A liberdade é concedida para amar. Ela pode levar à destruição e à divisão, mas sua finalidade é dar vida e criar unidade. A escolha é nossa. 

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia.

Fonte: WEST, C. Teologia do corpo para principiantes: uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II. Madrid: Myrian, 2008.

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