(Jo 20,19-31)

Na tarde do primeiro dia da semana, as portas estavam fechadas. Não apenas as portas da casa onde os discípulos se escondiam. Estavam fechadas também as portas do coração, da coragem, da fé. Jesus entra. Não pela porta, mas pela misericórdia.
“A paz esteja convosco” (Jo 20,19b).
Essas são as primeiras palavras do Ressuscitado aos seus apóstolos. A paz. Não um simples cumprimento, mas o dom que só pode vir d’Ele. Não foi uma pergunta, nem uma censura. Jesus não chega cobrando explicações por terem fugido. Ele chega concedendo aquilo que eles mais precisavam naquele momento, paz.
Santo Agostinho ensina que Jesus, ao se manifestar em meio aos discípulos com o corpo glorioso e as marcas da Paixão, está ensinando que a verdadeira paz não ignora a cruz, mas nasce dela. A paz cristã não é ausência de feridas, é a reconciliação com elas.
Por isso Ele mostra as mãos e o lado, e é nesse momento que os discípulos se alegram. Só reconhecem quando veem as chagas. A fé, então, começa a se reerguer sobre as cicatrizes. E aqui está um ensinamento poderoso, a fé cristã verdadeira não é anestesia emocional nem alienação triunfalista. É crer no Cristo que venceu a morte com as marcas da morte ainda visíveis.
Mas o texto sagrado prossegue e nos apresenta a um Tomé inquieto, inconformado, incrédulo. Ele não estava lá no primeiro encontro, e talvez por isso tanta gente se identifique com ele e essa cena esteja até hoje fortemente marcada no imaginário popular. Não viu, não tocou, não acreditou. Quantas vezes somos assim? Ouvimos os testemunhos, lemos as Escrituras, escutamos as homilias, mas ainda assim, colocamos nossas condições: “se eu não vir”, “se eu não tocar” “não acreditarei.” (Jo 20,25)
Mas preste atenção, Jesus volta. Volta por Tomé. Volta por mim e por você. Volta pelas nossas dúvidas sinceras. São Gregório Magno reflete que foi pela incredulidade de Tomé que a fé de muitos foi fortalecida, pois tocando nas feridas de Cristo, ele curou as feridas da nossa incredulidade. A resposta de Jesus não foi um castigo, mas uma presença. Ele não expulsa Tomé da comunidade por sua dúvida, mas se deixa tocar por ela.
E ao tocar, Tomé vê. E ao ver, professa: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28), São João Crisóstomo comenta que essa é a confissão mais alta de fé em todo o Evangelho, pois Tomé reconhece não apenas o Senhor ressuscitado, mas o próprio Deus presente diante dele. O Ressuscitado não é apenas alguém que venceu a morte, é o próprio Deus que se oferece como prova de amor e por isso a frase seguinte é para nós:
“Felizes os que não viram e creram” (Jo 20,29b).
A fé cristã, como recorda Santo Tomás de Aquino, não se opõe à razão, mas a transcende. A razão exige evidência sensível, a fé se apoia na autoridade divina que não pode enganar nem ser enganada. Para Santo Tomás, a fé é um ato do intelecto movido pela vontade, sob a graça de Deus, ou seja, não é um sentimento vago, mas um assentimento firme, mesmo sem ver e é aqui que somos desafiados, você precisa ver para crer? Ou é capaz de crer e, então, ver com os olhos da fé?
Os discípulos precisaram ver, Tomé precisou tocar, nós, muitas vezes, pedimos sinais. Mas o Ressuscitado nos deixa algo ainda mais precioso, a promessa de Sua presença nos sacramentos, nas Escrituras, na comunidade reunida. E isso basta.
A fé que não precisa ver é a fé que ama, e o amor, como diz Agostinho, crê para entender, e não o contrário.Hoje, Jesus entra novamente onde estamos, mesmo com as portas trancadas. Mesmo com as dúvidas, medos, ressentimentos e fadigas e mais uma vez, diz: “A paz esteja convosco”. Talvez você não veja, talvez você não toque, mas Ele está aqui.
Bem-aventurados os que, mesmo sem ver, continuam amando.
Percebam Deus nos pequenos detalhes.
Graça, Paz e Misericórdia.





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