Sobre reclamar
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Sobre reclamar

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Lá pelos áureos anos de 2017 eu rir muito com essa tirinha da Anésia, essa personagem produzida pelo Willian Leite, esse humor inteligente que nos faz rir e ao mesmo tempo refletir sobre alguns de nossos nefastos hábitos do dia a dia. 

Esta semana voltei a lembrar da tirinha porque semana passada, presenciei um acidente com um senhor, como relatei aqui, durante essa semana presencie outros dois idosos que sofreram maus súbitos ao saírem de casa. 

Uma senhora que saiu do condomínio para passear com seu cachorro na praça logo em frente, ela aparentemente passou mal logo na saída, seu cachorro a estava mantendo encostada em um pilar de concreto para que ela não caísse. Quando eu a avistei de longe, não percebi de imediato o quê se passava, ainda brinquei em pensamento ao ver como o cachorro estava condicionando a senhora a ficar parada,

“Quem está levando quem para passear a final?” 

Ao me aproximar ela já com a voz meia fraca me pediu ajuda, eu parei para lhe prestar alguma assistência, como descobrir rapidamente que ela mora no mesmo condomínio que eu, foi fácil ajudá-la e sei que ela passa bem. 

O outro, mais recente, foi no domingo pela manhã quando regressava da missa com uma amiga, ao atravessar a rua percebemos um senhor que havia passado mal ao parar para comprar um frango no caminho de volta para casa. O jovem vendedor e sua mãe tentavam ajudá-lo, não tínhamos muito a fazer ali, mas ajudamos também como podíamos e ele gradativamente foi retomando a consciência. Para ele não foi preciso chamar o serviço de urgência e logo ele seguiu seu caminho para casa.

Com o estourar da pandemia da covid-19 e as campanhas em massa para que todos fiquemos em casa, todos nós, cada um a sua medida, ficou um pouco menos saudável. Antes que você pense que estou advogando para que as pessoas não fiquem em casa e possam sair e se aglomerar indiscriminadamente, saibam logo que não estou. Mas é certo que tudo em excesso pode nos prejudicar, hoje com um ano de pandemia em curso, tenha certeza de que quando você for fazer seus exames de rotina, você talvez esteja com o colesterol mais alto, com os níveis de açúcar no sangue mais elevados, talvez sua visão precisa de alguns cuidados extras, suas costas já não sejam mais as mesmas e tantas outras coisas. 

Se você tem menos de 40 anos é provável que você esteja preocupado mais ativamente só com esses quilos extras porque não está indo para a academia (risos), mas esses problemas são muito mais expressivos nos idosos onde variar 1% para mais ou para menos no açúcar, no colesterol, no oxigênio do sangue e vários outros indicadores pode ser a diferença entre um dia tranquilo e um mal súbito que te leva ao chão na rua sem você esperar. 

Mas porque lembrei dessa tirinha? Porque nesses nossos tempos é tão fácil chamar a atenção de todos com reclamações ao passo que é fácil sermos tão insensíveis ao humano, seja para ajudá-lo ou para simplesmente participar de sua alegria. Sim talvez o seu dia não esteja legal e tudo bem, não temos obrigação de estarmos bem sempre, se até Jesus chorou (Jo 11, 35) acho que nós também podemos, mas sabe uma coisa que Jesus nunca fez e nunca fará? Ficar incomodado com a nossa felicidade a ponto de querer estragá-la. 

Ajudando aquelas pessoas, eu não percebi na hora, até porque meu pensamento não estava voltado a observar isso e sim em ajudar de alguma forma, mas depois em retrospectiva é fácil perceber quantas tantas pessoas que passam sem sequer oferecer um olhar compassivo, como se ali não fosse outro ser humano que sofre. Foi aí que lembrei da tirinha, será que se eu levantasse a voz e reclamasse coisas aleatórias como, 

“Também! Não respeitou o lockdown isso é o que dá!” 

“A culpa de tudo isso é do presidente, ele não liga para o povo.”

“Essa é a herança dos governos anteriores, o povo morrendo nas ruas!”

“Essa praga chinesa que está matando todo mundo para a China mandar no mundo.”

Com certeza nada disso iria ajudar a pessoa que sofre, mas rapidamente orbitariam em mim pessoas para apoiar minhas bravatas loucas enquanto outras pessoas começariam a bater boca defendendo o contrário.

De todos os possíveis problemas de saúde que podemos ter com esse longo período pandêmico, um já podemos perceber em nós e a nossa volta, estamos doentes de tanto reclamar e isto está nos deixando cada dia mais incapazes de agir com caridade. Reclamamos de tudo, não importa mais se tem motivo ou não, apenas reclamamos, reclamamos mesmo que não tenha nenhuma relação entre a nossa reclamação e o assunto que está sendo tratado ou a situação que está sendo vivida. 

Coisa que todo bom cristão precisa evitar como nos lembra o apostolo Paulo,

“E não vos entregueis à murmuração, como alguns deles resmungaram e foram mortos pelo destruidor.”

(I Cor 10, 10)

E quanto mais reclamamos mais incapazes de agir com caridade vamos ficando, vivendo uma vida estéril onde facilmente falamos sobre caridade nas redes sociais, discursamos para os outros sobre caridade, mas perdemos pouco a pouco a habilidade de levantar a cabeça e olhar a nossa volta porque estamos sempre com os olhos fixos nas telas dos celulares, evitamos estender a mão para ajudar alguém por causa do contágio, mas para pegar dinheiro tudo bem, a final basta passar um pouco de álcool em gel depois. 

Nossos dedos ágeis para digitar coisas improfícuas a nós e aos outros se tornam cada vez mais incapazes de escrever um “como você está?”, um “tudo bem com você?” ou um “posso ajudar em alguma coisa?”, como está escrito,

“Crias de víboras, como poderíeis dizer coisas boas, quando sois maus? Pois o que a boca fala é o que transborda do coração.”

(Mt 12, 34)

Logo, cada vez mais facilmente transbordamos aquilo que temos em nossos corações, não apenas com o que fazemos, falamos e escrevemos, mas também com o quê deixamos de fazer, falar e escrever para o próximo e para nós mesmos. 

Por isso, enquanto ainda há tempo para nós sobre essa terra, eu faço-vos um pedido, se você assim como eu está podendo sair na rua, quando estiver na rua seja católico e estenda a mão se alguém precisar, ofereça um sorriso, um olhar, uma palavra caridosa. Se você não sai de casa, não se permita unir pelas reclamações e pelo ódio, una-se em amor aos que estão longe, seja numa pequena mensagem, em uma breve ligação, reze pelo seu próximo no silêncio do seu quarto, lembre-se que a igreja não é feita apenas de missionários que se põem ao caminho, ela também é feita por pessoas de oração que reclusas se põem a rezar sem cessar como nos ensinou o Senhor (Mt 26, 41). 

Só encontramos significado em sair a rua se Jesus estiver conosco (Lc 21, 13-35) e ficar em casa só tem sentido se nos permitirmos ouvi-Lo (Lc 10, 40-42), por isso não importa onde estejamos, em tudo… 

Percebam Deus nos pequenos detalhes.

Graça, Paz e Misericórdia. 

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